segunda-feira, 1 de julho de 2013

Vestígios de um passado enterrado no chão




Arqueólogos encontram parte da história do Brasil no Cais do Valongo e da Imperatriz

Anna Paula Duarte Guimarães


Foi o chão que revelou um passado tipicamente brasileiro marcado pelo hábito de esconder qualquer vestígio de uma história “pouco honrável”. Paralelepípedo era algo muito pouco comum no século XVII e foi através dele que aconteceu a redescoberta do cais da Imperatriz e, debaixo dele, o cais do Valongo. Essas escavações trouxeram a tona discussões sobre como o Brasil é um país coberto de diferenças sociais. Essas diferenças e o preconceito associado a elas tem origem muito antes do que se imagina.
Foi a diferença entre o chão dos dois cais a responsável por revelar um pedaço muito importante da história brasileira. Enquanto um foi feito sem cuidado e com um piso irregular, o outro foi elaborado de forma perfeita com um material pouco comum na época. Mas o chão era só um detalhe do grande abismo social enterrado junto com aquela parte da história.
A redescoberta do Cais do Valongo e do Cais da Imperatriz faz parte do projeto de revitalização do Porto Maravilha. O Cais do Valongo foi porta de entrada de meio milhão de escravos no Brasil entre os anos de 1811 e 1831. Já a Imperatriz Teresa Cristina, futura esposa de Dom Pedro II, colocou os pés pela primeira vez no Brasil naquele mesmo local antes tomado por escravos.

O Cais da Imperatriz e do Valongo: descobertas valiosas. Foto Anna Paula Duarte Guimarães

Durante a escavação que trouxe à tona uma parte importantíssima da cultura afrodescendente e da cultura brasileira muitos objetos pessoais foram descobertos, como amuletos e objetos de cultos religiosos vindo de Moçambique, Congo e Angola. Toda esses objetos ajudam a lembrar uma parte da história brasileira esquecida. "O Cais do Valongo é um lugar simbólico, porque ali está o passado da população afrodescendente do país", explica Tânia Andrade Lima, arqueóloga do Museu Nacional que supervisiona as obras no porto.
Lá se esconde parte da história que é capaz de ajudar a entender o povo brasileiro hoje, em pleno século XXI. Em entrevista, o historiador Daniel Pinha falou sobre os resquícios de um Brasil escravista ainda presentes em nossa sociedade. “Criminalização da pobreza e o racismo contra os negros são os principais sinais  desses resquícios escravistas. Há também a desvalorização do trabalho manual e das tarefas exercidas pelos escravos. Por outro lado, apesar da persistência do racismo, há uma condenação moral a essa prática (que se estende por leis cada vez mais rígidas) e meios de denúncia para investigar e punir esse tipo de prática. O movimento negro cresce e políticas afirmativas contribuem para atenuar esse problema”, explica Daniel Pinha.
O lugar de chegada é a única semelhança entre os dois fatos, até mesmo o cais propriamente dito era outro. Para que Tereza Cristina pudesse desembarcar em solo brasileiro foi erguido pelo arquiteto Grandjean, um novo Cais em cima do antigo Valongo, que já era marca de um passado vergonhoso em um momento onde a escravidão era condenada por todo o mundo.
Daniel Pinha falou também sobre a grande diferença entre as viagens: As condições eram péssimas, de tal modo que geravam mortes pelos mais diversos motivos. Tratava-se de uma viagem completamente diferente da realizada pelos nobres europeus, como a Imperatriz Teresa Cristina, que contava com todo o conforto disponível na época.”


Cais do Valongo e a viagem

O Cais do Valongo foi instaurado naquela parte da cidade como uma medida para afastar, esconder e como “medida da segurança pública”. A verdade era que após espantar visitantes - como a inglesa Maria Graham que escreveu sobre o assunto em seu Diário de uma Viagem ao Brasil. No Valongo, "todo o tráfico de escravos surge com todos os seus horrores perante nossos olhos", reconheceu Maria. Antes os escravos desembarcavam na atual Praça 15, e eram negociados no Centro do Rio, sob a vista de todos os moradores e visitantes. Depois, decidiu-se que quanto mais longe dos escravos e de todo o comércio que envolvia esse tipo de comércio, melhor.
Os escravos aportavam no Brasil depois de dias de viagem em condições mais que precárias. Homens, mulheres e crianças – a grande maioria dos escravos que aportaram no Valongo eram crianças – ficavam amontoados em compartimentos minúsculos do navio. Não existia a menor preocupação com as condições dos negros, que passavam toda a viagem no escuro, com fome, sede e sem qualquer tipo de higiene. 
Doenças e mortes eram muito comuns, o que acabava sendo um próprio motor para a continuação do tráfico, já que nem todos conseguiam chegar ao destino vivos. Assim, mais viagens eram necessárias para suprir a demanda de trabalho escravo.

Eles eram visto como objetos e vendidos de acordo com seus atributos físicos. Todo esse negócio era feito ali na região da Gamboa, também chamada de Pequena África, onde aportavam a mão de obra que moveu o país durante tanto tempo.

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