Arqueólogos encontram parte
da história do Brasil no Cais do Valongo e da Imperatriz
Anna Paula Duarte Guimarães
Foi o chão que revelou um passado tipicamente
brasileiro marcado pelo hábito de esconder qualquer vestígio de uma história
“pouco honrável”. Paralelepípedo era algo muito pouco comum no século XVII e
foi através dele que aconteceu a redescoberta do cais da Imperatriz e, debaixo
dele, o cais do Valongo. Essas escavações trouxeram a tona discussões sobre
como o Brasil é um país coberto de diferenças sociais. Essas diferenças e o
preconceito associado a elas tem origem muito antes do que se imagina.
Foi a diferença entre o chão dos dois cais a
responsável por revelar um pedaço muito importante da história brasileira.
Enquanto um foi feito sem cuidado e com um piso irregular, o outro foi
elaborado de forma perfeita com um material pouco comum na época. Mas o chão
era só um detalhe do grande abismo social enterrado junto com aquela parte da
história.
A redescoberta do Cais do Valongo e do Cais da
Imperatriz faz parte do projeto de revitalização do Porto Maravilha. O Cais do
Valongo foi porta de entrada de meio milhão de escravos no Brasil entre os anos
de 1811 e 1831. Já a Imperatriz Teresa Cristina, futura esposa de Dom Pedro II,
colocou os pés pela primeira vez no Brasil naquele mesmo local antes tomado por
escravos.
O Cais da Imperatriz e do Valongo: descobertas valiosas. Foto Anna Paula Duarte Guimarães |
Durante a escavação que trouxe à tona uma parte
importantíssima da cultura afrodescendente e da cultura brasileira muitos
objetos pessoais foram descobertos, como amuletos e objetos de cultos
religiosos vindo de Moçambique, Congo e Angola. Toda esses objetos ajudam a lembrar
uma parte da história brasileira esquecida. "O Cais
do Valongo é um lugar simbólico, porque ali está o passado da população
afrodescendente do país", explica Tânia Andrade Lima, arqueóloga do Museu
Nacional que supervisiona as obras no porto.
Lá se esconde parte da história que é
capaz de ajudar a entender o povo brasileiro hoje, em pleno século XXI. Em entrevista, o
historiador Daniel Pinha falou sobre os resquícios de um Brasil
escravista ainda presentes em nossa sociedade. “Criminalização
da pobreza e o racismo contra os negros são os principais sinais desses resquícios escravistas. Há também a
desvalorização do trabalho manual e das tarefas exercidas pelos escravos. Por
outro lado, apesar da persistência do racismo, há uma condenação moral a essa
prática (que se estende por leis cada vez mais rígidas) e meios de denúncia
para investigar e punir esse tipo de prática. O movimento negro cresce e
políticas afirmativas contribuem para atenuar esse problema”, explica Daniel Pinha.
O lugar de chegada é a única semelhança entre os dois
fatos, até mesmo o cais propriamente dito era outro. Para que Tereza Cristina
pudesse desembarcar em solo brasileiro foi erguido pelo arquiteto Grandjean, um
novo Cais em cima do antigo Valongo, que já era marca de um passado vergonhoso
em um momento onde a escravidão era condenada por todo o mundo.
Daniel Pinha falou também sobre a grande diferença
entre as viagens: “As condições eram
péssimas, de tal modo que geravam mortes pelos mais diversos motivos. Tratava-se
de uma viagem completamente diferente da realizada pelos nobres europeus, como
a Imperatriz Teresa Cristina, que contava com todo o conforto disponível na
época.”
Cais do Valongo e a viagem
O Cais do Valongo foi instaurado naquela parte da
cidade como uma medida para afastar, esconder e como “medida da segurança
pública”. A verdade era que após espantar visitantes - como a inglesa Maria Graham que escreveu sobre o assunto em seu Diário de uma Viagem
ao Brasil. No Valongo, "todo o tráfico de escravos surge com todos os
seus horrores perante nossos olhos", reconheceu Maria. Antes os escravos
desembarcavam na atual Praça 15, e eram negociados no Centro do Rio, sob a
vista de todos os moradores e visitantes. Depois, decidiu-se que quanto mais longe dos escravos
e de todo o comércio que envolvia esse tipo de comércio, melhor.
Os escravos aportavam no Brasil depois de dias de
viagem em condições mais que precárias. Homens, mulheres e crianças – a grande
maioria dos escravos que aportaram no Valongo eram crianças – ficavam
amontoados em compartimentos minúsculos do navio. Não existia a menor
preocupação com as condições dos negros, que passavam toda a viagem no escuro,
com fome, sede e sem qualquer tipo de higiene.
Doenças e mortes eram muito comuns, o que acabava
sendo um próprio motor para a continuação do tráfico, já que nem todos
conseguiam chegar ao destino vivos. Assim, mais viagens eram necessárias para
suprir a demanda de trabalho escravo.
Eles eram visto como objetos e vendidos de acordo com
seus atributos físicos. Todo esse negócio era feito ali na região da Gamboa,
também chamada de Pequena África, onde aportavam a mão de obra que moveu o país
durante tanto tempo.
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