Moradores relatam as delícias de morar numa das regiões mais pacatas do
Rio
Por Marianna Jardim
O Morro da
Conceição já não está mais alheio ao carioca como antes. Com as reformas feitas
desde 2012, a Ladeira João Homem ganhou novos postes de luz que agora possuem
fiação elétrica subterrânea. A calçada de paralelepípedo foi renovada, e
continua dando a mesma sensação de se estar numa pequena vila mesmo com as
novas calçadas estreitas que a cercam. A região já não é mais a mesma da época
de João do Rio e Maria Graham, que ao flanarem
pelas ruas observaram uma outra realidade.
A
revitalização da área trouxe melhorias à infraestrutura da região sem tirar o
charme de antigo bairro português do Morro da Conceição. É possível ainda
apreciar tudo o que o local tem a oferecer, a começar pela própria história.
Junto com os morros do Castelo, Santo Antonio e São Bento, o Morro da Conceição
é um marco da ocupação original do Rio de Janeiro. Antes chamado de Morro do
Valongo, a região foi imortalizada por João do Rio e Maria Graham em textos e
crônicas, e por Jean-Baptiste Debret no quadro “Mercado da Rua do Valongo”. A
obra representa uma cena cotidiana da época: escravos sentados em uma sala de
venda, prontos para serem comprados por um senhorio.
Os moradores
da região pouco têm a reclamar. Dona de um bar e de uma residência na Ladeira
João Homem, Iraci Pinheiro dos Santos, de 65 anos, mora há 43 no Morro da
Conceição. Segundo ela, o clima entre os moradores sempre foi de muita
tranquilidade, sem grandes perturbações. Os habitantes possuem uma noção muito
forte de comunidade, o que faz com que todos se conheçam. A presença de
qualquer estranho é imediatamente notada, e em geral costumam ser amigos de
vizinhos ou turistas.
- Eu me sinto
muito segura aqui, é bem isolado da cidade e todo mundo se conhece – admite dona Iraci, como é conhecida.
- O povo aqui
é muito educado, as pessoas têm noção de comunidade, ninguém deixa sujeira na
rua. As crianças respeitam os mais velhos – diz Sandra Moura, 60 anos,
professora aposentada de matemática e moradora da Ladeira João Homem desde que
nasceu.
– Aqui a
qualidade de vida é ótima. Quer dizer, antes era melhor, vinha menos gente de
fora.
Os “forenses”,
no entanto, não são mal recebidos. É comum moradores abrirem suas casas ou
puxarem conversa no meio da rua com os que percebem que não são dali. Mais um
aspecto que torna o Morro da Conceição uma joia rara muito bem escondida.
O Morro da
Conceição pelo olhar do visitante
O Morro da
Conceição não foi sempre foi apreciado da mesma forma. Em sua passagem de 15
anos pelo Brasil, de 1816 a 1831, o pintor Jean Baptiste Debret retratou a
realidade da época na região: negros sendo vendidos por ciganos. O quadro
retrata a dureza das condições em que viviam esses escravos, expostos como
mercadorias em uma vitrine.
Em “A alma
encantadora das ruas”, livro que reúne as crônicas de João do Rio sobre a
cidade, as ruas e suas transformações, não é rara a menção ao Morro da
Conceição. O jornalista e escritor, que morreu em 1921, costumava fazer
“panoramas literários” do que via em suas caminhadas pela cidade, relatando
histórias e conversas das suas aventuras. Sobre a região, costumava referir-se
a ela como lugar de “bando de capoeiras perigosos”.
O relato de
Maria Graham, no entanto, é de um tom bastante humanista e impressionado. A
escritora britânica conta da sua experiência no local em “Diário de uma viagem
ao Brasil”. Escrito entre os anos 1821 e 1823, o livro demonstra a preocupação de
Graham com o estado dos escravos. Ela os denomina “pobres criaturas”, e ao
mesmo tempo reconhece que não são uma boa mão-de-obra. Suas impressões do
Valongo, como era chamado, não remetem ao pequeno paraíso que hoje encontramos
na Ladeira João Homem.
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