Morro da Conceição é palco de incentivo
e experimentação da arte
Por Thaís Mandarino
O espetáculo teatral Vermelho, escrito por John Logan, com
direção de Jorge Takla, e interpretado por Antônio Fagundes e seu filho Bruno
Fagundes, retrata momentos da vida do pintor russo-americano Mark Rothko. Ao
final da peça, o pintor relembra como era bom quando os artistas só pintavam
por pintar, por sentir necessidade; não existia galeria de arte ou marchand. Vermelho revela o fim que levou Mark
Rothko: acabou ficando rico, mas se afundou na bebida e no cigarro e acabou
morrendo por conta disso. Morreu rico e insatisfeito, pois sua arte já não era
apreciada do jeito que ele julgava merecer. O fantasma que transformara sua
arte em negócio comercial o acompanhou até seu último dia.
A peça, cuja temporada já se encerrou
no teatro SESC Ginástico, emocionou especialmente um de seus espectadores. Quando
a peça terminou, ele, também pintor, aplaudia e chorava ao mesmo tempo.
Confessou depois que o choro veio em razão da emoção de saber que seus
pensamentos e emoções já foram sentidos e pensados por outro pintor tempos
atrás. Paulo Dallier nunca estudou pintura, e só começou a pintar aos 39 anos,
após uma fatalidade na família. O sobrinho faleceu e a pintura tornou-se seu
modo de sobreviver em meio à dor. Sua arte impactante é reconhecida tanto por quem entende do assunto quanto por crianças e leigos.
Dallier se autodenomina o “portal
do Morro da Conceição”. Seu atelier, o número 15, na Ladeira João Homem, é
também onde mora. São, ao todo, 16 ateliers. Seu avô comprou a casa em 1904, e
Dallier foi para lá em 1932, aos três meses de idade. Na época em que era
criança e já morava lá, a Presidente Vargas ainda não existia, e a Galeria
Cruzeiro – onde hoje é o Edifício Avenida Central – ainda estava lá. Ele diz que a
primeira lembrança que tem de sua vida é acordando numa manhã de Natal no Morro
da Conceição.
Dallier em seu atelier no Morro da Conceição. Foto Thaís Mandarino |
De acordo com Dallier, o Morro da
Conceição é o que resta do início do Rio de Janeiro, e na opinião dele, se não
fosse construído em cima de pedras, o Morro já teria ido abaixo. A respeito da
questão da revitalização do Morro com o Porto Maravilha e o Projeto Mauá – que
ele criou com os pintores Marcelo Frazão, Claudio Aun e Renato Sant’ana – Dallier
pensa que ninguém pode evitar o progresso. E se for preciso, ele roda a baiana
com aqueles que têm medo do Morro ser invadido, das crianças não poderem mais
brincar e correr pelas ruas e as mulheres não mais poderem conversar por cima
dos portões. O pintor vibra com a projeção que o lugar vem ganhando. “Agora as
pessoas vão ao museu MAR, e depois vêm aqui. O prefeito se tornou o curador do
Morro da Conceição, e o Morro passou a ser a princesinha do Porto Maravilha.”
Dallier vê o Morro da Conceição
como sua segunda pátria. Sua ligação com o lugar é tão grande que ele já compôs
até um hino para o Morro. “Quando eu morrer, quero que os outros artistas
carreguem meu caixão cantando o hino que eu fiz”. Dallier tem também blogs e
crônicas sobre o Morro e está montando um livro com fotos, textos e letras de
músicas sobre o Morro e também sobre ele. “Meu sonho era transformar esta casa
no Centro de Cultura Paulo Dallier, mas como a casa não é minha não sei se será
possível.”
A casa onde mora e tem seu
atelier montado não é dele, mas da família. Dallier explicou que entregaram a ele
um comodato que talvez force-o a deixar o local em março do ano que vem. A
casa já serviu de moradia a muitos familiares, e a última
moradora antes de Dallier foi uma prima – que ainda morava na casa quando ele
chegou. Ela passava por um momento de depressão e isso se refletia no estado da
casa, triste e abandonada. Após a morte da prima, o pintor vendeu alguns
quadros e conseguiu dinheiro para a reforma.
Naquela manhã de chuva, Dallier
estava chateado consigo mesmo e havia saído do atelier para ver a exposição que
reúne o acervo de obras de arte brasileira de Roberto Marinho, no Paço
Imperial. Segundo o artista, a visita à exposição deu a ele um jato de
esperança, pois percebeu que sua obra não deixava nada a dever em relação ao
que viu. Dallier, prestes a completar 81 anos, relembrou seu sonho de menino:
morar no local onde agora está o Parque Lage e montar ali seu estúdio
cinematográfico. Ele seria um produtor e diretor como Orson Welles. “É
interessante como o cinema – sonho antigo – entrou agora no final de minha vida
para marcá-la. Devo ter participado de oito documentários sobre o Morro e a minha
arte”.
Obra de arte a céu
aberto
O artista plástico Hélio Oiticica
dizia que a obra de arte e a vida não se dissociam. Quem for ao Morro da
Conceição saberá que Hélio esteve sempre certo. O Morro é como uma obra de arte
em carne viva. Um Rio de Janeiro que preserva a arquitetura antiga e o ritmo de
uma vida que não se leva mais em grandes capitais. E este lugar corta a cidade
ao meio, fica no Centro. Uma dose de País das Maravilhas da Alice e Terra do
Nunca de Peter Pan. No Morro da Conceição, existe sacolé de abacate, goiaba e
manga por um real. Tem micos passeando pelos fios, meninos andando em suas
motocicletas e jogando bola nas ruas. Tem mulheres conversando por cima do
portão. Uma janela revela o ritmo do relógio da casa: a arvorezinha de Natal
ainda não havia sido desmontada. É bem provável que fique até o Natal deste
ano. Por que a pressa?
Um guia fala a seus ouvintes
sobre o lugar inundado de história. Enquanto isso, no bar logo abaixo na mesma
rua, os amigos do Luciano cantam parabéns para o amigo. Os nomes das ruas estão
conservados desde os tempos de sua criação: Rua Jogo da Bola, Ladeira João
Homem, Travessa do Sereno, Largo João da Baiana. O carioca tem saída para o
estresse diário e não precisa ir muito longe. É simples: um pouco antes da
Praça Mauá – onde fica o museu MAR – existe uma ruela, onde fica a antiga Rádio
Nacional. Ali existe uma escadinha, a tal que leva ao Morro da Conceição. É
difícil não reconhecer esta escadinha. Mesmo sem nunca ter visto, algo no ar
indica que não pode ser outra. É ela que liga o Rio da realidade ao Rio dos
sonhos, aos ateliers da Ladeira João Homem, ao samba na Pedra do Sal, aos Jardins
do Valongo, àquela gente simples e àquele silêncio que é bom de (não) escutar.
Texto ótimo só o numero da casa do Dallier está errado é 52 , vale a pena visitar , ele é o sócio fundador benemérito do Projeto Mauá.
ResponderExcluir