Região do Valongo passa por transformações
E gera debate entre o futuro e o passado
Por
Yke Leon
Em 1590, a devota Maria Dantas construiu
uma pequena capela no topo de um morro em homenagem a Nossa Senhora da
Conceição. Anos mais tarde, doou aos frades do Carmo a ermida e as terras do
entorno para a construção de um convento, que veio a se tornar, décadas depois,
o Palácio Episcopal. O morro, claro, foi batizado de Morro da Conceição. O que Maria
jamais iria imaginar é que ele seria epicentro de uma mudança profunda no Centro
da cidade do Rio de Janeiro e, por sua vez, se tornaria tão valorizado.
Em 1926, o Observatório do Valongo foi
fundado registrando o outro nome pelo qual o morro é conhecido, em sua porção
noroeste, onde se ergue um segundo pico menos proeminente. Nos dicionários,
Valongo é nome de gente ou acidente geográfico, ensinou Brasil Gerson em seu História das Ruas do Rio de Janeiro.
No sopé norte do Morro da Conceição, encontra-se a Pedra do Sal, rocha "onda" onde,
até fins do século XIX, batiam as águas da Baía de Guanabara. Era ali onde os
navios negreiros desembarcavam escravos trazidos da África. Essa mistura entre a cultura negra e os ritmos daquele continente uniu-se à
malandragem carioca resultando no que hoje chamamos de samba. Não à toa, o
cantor Diogo Nogueira, filho do baluarte do ritmo João Nogueira, tem uma casa
de festas por lá, na Rua Camerino, antiga Rua do Valongo.
Na Rua Camerino, próxima ao bairro da
Saúde, ficavam os mercados de escravos nos séculos XVIII e XIX. O bairro chegou
a ser conhecido como a Pequena África, tamanha era a população negra que
circulava por ali. Mesmo depois da abolição da escravatura, os “agora” libertos,
em busca de trabalho no porto e moradia barata, continuaram na região. Lá, eles
se encontraram com os negros baianos que
vieram para o Rio fixando-se no bairro da Saúde. Assim como o bloco Escravos da Mauá, fundado
no nosso século, e formado por
funcionários públicos – isto é, “novos escravos” (?). O nome do grupo carnavalesco
não podia ser mais previsível.
Talvez aqueles homens simples, de origem ainda mais
simplória, jamais pudessem ter imaginado que, quase dois séculos depois, os
olhos da cidade se voltariam para essa região novamente. Em virtude do
crescimento econômico do Brasil nos últimos anos e da importância do Rio de
Janeiro nessa fatia de desenvolvimento, a Prefeitura do Rio deu início à
chamada Operação Urbana Porto Maravilha. Segundo a Secretaria Municipal de
Obras, o projeto pretende “preparar a Região Portuária para os grandes eventos que
vão ocorrer na cidade nos próximos anos”.
A região que “por muitos anos relegada a segundo plano”, agora, talvez,
volte a se integrar à cidade.
Mas nem tudo são
flores no país do futebol. As recentes manifestações que se espalharam
rapidamente por todo o Brasil e que geraram reflexos em mais de 30 países ao
redor do mundo, mostraram que a população não está satisfeita com todos os
investimentos que estão sendo feitos em nome da Copa do Mundo de 2014 e da
Olimpíada de 2016. Diariamente, a população vivencia hospitais superlotados,
escolas com aprovação automática e material didático escasso e a violência
sistematicamente maior. Em contrapartida, acompanha as cifras bilionárias que
são investidas nos enormes estádios e arenas de competição para esse evento. Só
na reforma do Maracanã foi gasto quase R$ 1 bilhão.
Até mesmo os operários da Concessionária Porto Maravilha exigiram melhores condições de trabalho, no final do mês de março deste ano. Ocuparam a Avenida Rodrigues Alves, uma das principais vias de acesso ao Centro, perto da Rua Santo Cristo, na Zona Portuária. De lá, os manifestantes seguiram pela Avenida Presidente Vargas, onde ocuparam duas faixas da pista central, em direção à Igreja da Candelária.
Até mesmo os operários da Concessionária Porto Maravilha exigiram melhores condições de trabalho, no final do mês de março deste ano. Ocuparam a Avenida Rodrigues Alves, uma das principais vias de acesso ao Centro, perto da Rua Santo Cristo, na Zona Portuária. De lá, os manifestantes seguiram pela Avenida Presidente Vargas, onde ocuparam duas faixas da pista central, em direção à Igreja da Candelária.
Embora existam as críticas às condições em que esse
desenvolvimento vem sendo imposto para a população, há quem tenha se
beneficiado das obras e do suposto progresso. Ana de Souza, que trabalhava
vendendo quentinha, fez uma parceria com a primeira empresa responsável pelas
obras do Porto Maravilha. Nessa época, o pequeno restaurante da comerciante se
tornou o distribuidor de 700 refeições diárias para os operários da construção.
- Meu
negócio chegou a movimentar mensalmente R$ 70 mil. Cheguei a ter nove
funcionários de carteira assinada trabalhando para mim - disse ela, saudosa.
Com
o dinheiro que ganhou, Ana comprou uma casa para uma de suas três filhas no
valor de R$ 10 mil (atualmente o imóvel vale R$ 80 mil). Além disso, investiu em uma laje em cima de seu
restaurante, que hoje aluga para ganhar um dinheiro extra. Mas a situação
mudou. Hoje, o Sabor das Anas fornece cerca apenas de 60 a 70 refeições diárias.
- Minha
ideia é transformar o espaço em uma churrascaria - planeja a comerciante que
espera que a conclusão das construções no Porto Maravilha traga turistas e
visitantes para a região.
O que será do futuro ainda é impossível dizer, mas essa,
sem dúvidas, é apenas mais uma das tantas transformações que essa região,
reduto de índios e escravos marginalizados, já sofreu.
Prepare-se para a caminhada pelo Valongo seguindo as dicas das aulas de Edição, da PUC-Rio. Conheça um pouco
mais do passado dessa Cidade Olímpica.
Horário
proposto de partida: 12h
Duração do passeio: Cerca de 2h
Duração do passeio: Cerca de 2h
Dica:
Prepare-se para andar! Muitos lugares são acessíveis de carro, mas nada como
conhecer através com as nossas próprias pernas, não é mesmo? Então coloque um
tênis confortável, leve uma garrafa d’água e se prepare para o passeio.
Partida:
O recém-inaugurado Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá.
1) Comece pelo Morro da Conceição – primeira subida atrás do prédio da Rádio Nacional. Um reduto português que lembra Pequena Alfama, em Lisboa.
1) Comece pelo Morro da Conceição – primeira subida atrás do prédio da Rádio Nacional. Um reduto português que lembra Pequena Alfama, em Lisboa.
Dica:
Uma comida saborosa com preço acessível está no restaurante Imaculada, na
subida do Morro.
2) Rua do Acre: Passe pela região da Prainha e descubra que o mar ia até lá. Aproveite para conhecer também a Capela de São Francisco da Prainha e o Largo João da Baiana, onde hoje parte o bloco Escravos da Mauá.
2) Rua do Acre: Passe pela região da Prainha e descubra que o mar ia até lá. Aproveite para conhecer também a Capela de São Francisco da Prainha e o Largo João da Baiana, onde hoje parte o bloco Escravos da Mauá.
3)
Não deixe de dar um passeio pela Pedra do Sal, local de encontro de antigos
sambistas e que hoje tem sido revisitada pela nova geração do ritmo. A ladeira
foi escavada por escravos e dá acesso ao Morro da Conceição, onde existia um
antigo quilombo.
4) Na Rua Camerino, antiga Rua do Valongo, é possível ver onde rolava o comércio de escravos e os aparelhos de tortura para os mais displicentes.
4) Na Rua Camerino, antiga Rua do Valongo, é possível ver onde rolava o comércio de escravos e os aparelhos de tortura para os mais displicentes.
5)
O próximo passo é conhecer os Jardins Suspensos do Valongo, o Mictório Público
e a Casa da Guarda, construídos em 1907, pelo então prefeito Pereira Passos,
durante o período que ficou conhecido como Belle Époque.
Quer saber mais
sobre a região e conferir outras dicas? Acesse: www.novovalongo.blogspot.com
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