segunda-feira, 1 de julho de 2013

O Morro que não é favela



Região do Valongo passa por transformações
E gera debate entre o futuro e o passado
Por Yke Leon

          Em 1590, a devota Maria Dantas construiu uma pequena capela no topo de um morro em homenagem a Nossa Senhora da Conceição. Anos mais tarde, doou aos frades do Carmo a ermida e as terras do entorno para a construção de um convento, que veio a se tornar, décadas depois, o Palácio Episcopal. O morro, claro, foi batizado de Morro da Conceição. O que Maria jamais iria imaginar é que ele seria epicentro de uma mudança profunda no Centro da cidade do Rio de Janeiro e, por sua vez, se tornaria tão valorizado.
          Em 1926, o Observatório do Valongo foi fundado registrando o outro nome pelo qual o morro é conhecido, em sua porção noroeste, onde se ergue um segundo pico menos proeminente. Nos dicionários, Valongo é nome de gente ou acidente geográfico, ensinou Brasil Gerson em seu História das Ruas do Rio de Janeiro.

            No sopé norte do Morro da Conceição,  encontra-se a Pedra do Sal, rocha "onda" onde, até fins do século XIX, batiam as águas da Baía de Guanabara. Era ali onde os navios negreiros desembarcavam escravos trazidos da África. Essa mistura entre a cultura negra e os ritmos daquele continente uniu-se à malandragem carioca resultando no que hoje chamamos de samba. Não à toa, o cantor Diogo Nogueira, filho do baluarte do ritmo João Nogueira, tem uma casa de festas por lá, na Rua Camerino, antiga Rua do Valongo.

            Na Rua Camerino, próxima ao bairro da Saúde, ficavam os mercados de escravos nos séculos XVIII e XIX. O bairro chegou a ser conhecido como a Pequena África, tamanha era a população negra que circulava por ali. Mesmo depois da abolição da escravatura, os “agora” libertos, em busca de trabalho no porto e moradia barata, continuaram na região. Lá, eles se encontraram com os  negros baianos que vieram para o Rio fixando-se no bairro da Saúde.  Assim como o bloco Escravos da Mauá, fundado no nosso século, e  formado por funcionários públicos – isto é, “novos escravos” (?). O nome do grupo carnavalesco não podia ser mais previsível.


            Talvez aqueles homens simples, de origem ainda mais simplória, jamais pudessem ter imaginado que, quase dois séculos depois, os olhos da cidade se voltariam para essa região novamente. Em virtude do crescimento econômico do Brasil nos últimos anos e da importância do Rio de Janeiro nessa fatia de desenvolvimento, a Prefeitura do Rio deu início à chamada Operação Urbana Porto Maravilha. Segundo a Secretaria Municipal de Obras, o projeto pretende “preparar a Região Portuária para os grandes eventos que vão ocorrer na cidade nos próximos anos”.  A região que “por muitos anos relegada a segundo plano”, agora, talvez, volte a se  integrar à cidade.
            Mas nem tudo são flores no país do futebol. As recentes manifestações que se espalharam rapidamente por todo o Brasil e que geraram reflexos em mais de 30 países ao redor do mundo, mostraram que a população não está satisfeita com todos os investimentos que estão sendo feitos em nome da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. Diariamente, a população vivencia hospitais superlotados, escolas com aprovação automática e material didático escasso e a violência sistematicamente maior. Em contrapartida, acompanha as cifras bilionárias que são investidas nos enormes estádios e arenas de competição para esse evento. Só na reforma do Maracanã foi gasto quase R$ 1 bilhão.
            Até mesmo os operários da Concessionária Porto Maravilha exigiram melhores condições de trabalho, no final do mês de março deste ano. Ocuparam a Avenida Rodrigues Alves, uma das principais vias de acesso ao Centro, perto da Rua Santo Cristo, na Zona Portuária. De lá, os manifestantes seguiram pela Avenida Presidente Vargas, onde ocuparam duas faixas da pista central, em direção à Igreja da Candelária.
            Embora existam as críticas às condições em que esse desenvolvimento vem sendo imposto para a população, há quem tenha se beneficiado das obras e do suposto progresso. Ana de Souza, que trabalhava vendendo quentinha, fez uma parceria com a primeira empresa responsável pelas obras do Porto Maravilha. Nessa época, o pequeno restaurante da comerciante se tornou o distribuidor de 700 refeições diárias para os operários da construção.
         - Meu negócio chegou a movimentar mensalmente R$ 70 mil. Cheguei a ter nove funcionários de carteira assinada trabalhando para mim - disse ela, saudosa.
Com o dinheiro que ganhou, Ana comprou uma casa para uma de suas três filhas no valor de R$ 10 mil (atualmente o imóvel vale R$ 80 mil). Além disso,  investiu em uma laje em cima de seu restaurante, que hoje aluga para ganhar um dinheiro extra. Mas a situação mudou. Hoje, o Sabor das Anas fornece cerca apenas  de 60 a 70 refeições diárias.
          - Minha ideia é transformar o espaço em uma churrascaria - planeja a comerciante que espera que a conclusão das construções no Porto Maravilha traga turistas e visitantes para a região.

         O que será do futuro ainda é impossível dizer, mas essa, sem dúvidas, é apenas mais uma das tantas transformações que essa região, reduto de índios e escravos marginalizados, já sofreu.



Prepare-se para a caminhada pelo Valongo seguindo as dicas das aulas de Edição, da PUC-Rio. Conheça um pouco mais do passado dessa Cidade Olímpica.

Horário proposto de partida: 12h
Duração do passeio: Cerca de 2h
Dica: Prepare-se para andar! Muitos lugares são acessíveis de carro, mas nada como conhecer através com as nossas próprias pernas, não é mesmo? Então coloque um tênis confortável, leve uma garrafa d’água e se prepare para o passeio.
Partida: O recém-inaugurado Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá.
1) Comece pelo Morro da Conceição – primeira subida atrás do prédio da Rádio Nacional. Um reduto português que lembra Pequena Alfama, em Lisboa.
Dica: Uma comida saborosa com preço acessível está no restaurante Imaculada, na subida do Morro.
2) Rua do Acre: Passe pela região da Prainha e descubra que o mar ia até lá. Aproveite para conhecer também a Capela de São Francisco da Prainha e o Largo João da Baiana, onde hoje parte o bloco Escravos da Mauá.
3) Não deixe de dar um passeio pela Pedra do Sal, local de encontro de antigos sambistas e que hoje tem sido revisitada pela nova geração do ritmo. A ladeira foi escavada por escravos e dá acesso ao Morro da Conceição, onde existia um antigo quilombo.
4) Na Rua Camerino, antiga Rua do Valongo, é possível ver onde rolava o comércio de escravos e os aparelhos de tortura para os mais displicentes.  
5) O próximo passo é conhecer os Jardins Suspensos do Valongo, o Mictório Público e a Casa da Guarda, construídos em 1907, pelo então prefeito Pereira Passos, durante o período que ficou conhecido como Belle Époque.

Quer saber mais sobre a região e conferir outras dicas? Acesse: www.novovalongo.blogspot.com



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