segunda-feira, 1 de julho de 2013

Pedra do Sal e seus compassos

Com a revitalização do Porto Maravilha, samba ressurge na Pedra do Sal atraindo jovens cariocas


Francisco Vaz


Ao chegar no final da Rua Argerimo Bulcão, próximo à Cedae, na esquina com a Rua Francisco da Prainha, visualizo a pintura "Brasil Rumo ao Hexa". Já começo a escutar as palmas do samba de partido-alto. Não seria por menos, estaria a minutos de chegar no que é hoje o reduto do samba, a Pedra do Sal. No sopé do Morro da Conceição, no Largo do João da Baiana, revisito a história do samba. Nas rodas de cantores, nas feições humanas e no soar do violão, vejo uma imagem do início do século XX, de um Rio de Janeiro não muito distante do que é hoje em dia.

No local ocupado pelos negros após as reformas do prefeito Passos, formava-se a Pequena África - estendida por toda a zona do cais do porto até a Cidade Nova. A sua capital era a Praça Onze,  onde se encontravam os redutos matriárquicos das baianas, carinhosamente conhecidas como "tias". A mais famosa de todas as baianas, a mais influente, foi Hilária Batista de Almeida, a tia Ciata, lembrada em todos os relatos do surgimento do samba carioca e dos ranchos.


Tia Ciata e a formação da cultura carioca

Na casa da tia Ciata, os sambistas se encontravam de maneira segura. 
Fonte: Marília T. Barboza e Arthur Oliveira Filho. 



Local do berço de inúmeros sambas, maxixes, marchas e cultos ao candomblé, a casa da tia Ciata, por volta do ano de 1916, era o pólo de resistência negra contra as negligências do governo e da polícia, que vez ou outra rondava as casas para ver se estava acontecendo alguma movimentação "duvidosa". Grandes figuras do mundo musical carioca, Pixinguinha, João da Baiana, Donga, e Heitor dos Prazeres, surgem ainda crianças naquelas rodas onde aprendem as tradições musicais baianas a que depois dariam uma forma nova, carioca.

Para o professor de História do Brasil Vinícius Sabato, o reduto africano no bairro da Saúde permitiu aos negros uma identificação cultural que até então não era concebida coletivamente por completa.
 - No pequeno continente de africanos e baianos, se podiam reforçar os valores do grupo, afirmar o seu passado cultural e sua vitalidade criadora recusada pela sociedade. Da Pequena África no Rio de Janeiro surgiriam alternativas concretas de vizinhança, de vida religiosa, de arte, trabalho, solidariedade e consciência. Ali predominaria a cultura do negro vindo da experiência da escravatura, no seu encontro com o migrante nordestino de raízes indígenas e ibéricas e com o proletário europeu, com quem o negro partilhava os azares de uma vida de sambista e trabalhado.


                                  'Eu posso me regenerar'


Músico pandeirista de um dos grupos que fazem uma roda de samba, além de morador do local, Carlos Filho reconhece a Pedra do Sal como berçário do samba carioca.

-  Com tantos feras que sentaram onde eu estou sentado, impossível não dizer uma coisa dessas. Pixinguinha, Sinhô, entre outros que ditaram o ritmo do samba como a gente está fazendo agora.

Admirador do samba - como o próprio diz, "de raiz"- e frequentador da Pedra do Sal, Alexandre Marinho está feliz com a revitalização do local.

-  Isso aqui há um tempo estava impraticável, muitos ladrões, mendigos, o local estava jogado às traças. Um lugar tão bonito e tão cheio de história. Hoje em dia caiu na boca do povo e cada vez está trazendo mais gente. É bom para o local e para a pessoa que vai conhecer um pouco mais sobre o samba e sua história.

Alexandre não citou, mas esse rejuvenescimento e modernização do local fazem parte do revitalização e reurbanização do Porto Maravilha, projeto idealizado pelo prefeito Eduardo Paes. Com a primeira parte do planeamento, que inclui a urbanização do Morro da Conceição, além da restauração dos Jardins Suspensos do Valongo, já concluída, a população aos poucos vai conhecendo mais desta área, que conta bastante sobre a história da formação da cidade. As obras estão previstas para ser entregues até 2016. O professor de História do Brasil, Vinícius Sabato torce para que os pobres não sejam abandonados, como ocorreu há cem anos durante a revitalização do Centro.
- Espero que o nosso prefeito não repita as atitudes de Pereira Passos.
 E que vivam o samba e a Pedra do Sal! 

As confusões que não foram contadas 'Pelo Telefone'

No dia 3 de maio de 1913, em pleno dia no Largo da Carioca, os jornalistas Eustáquio Alves Castelar de Carvalho e Orestes Barbosa, fazendo-se passar por banqueiro e jogadores, afixaram o cartaz com os seguintes dizeres: “Jogo franco - Roleta com 32 números - Só ganha freguês”. A matéria sairia no dia seguinte no jornal A Noite com uma foto de populares em torno da roleta. O título na primeira página dizia: “O jogo é franco; Uma roleta em pleno Largo da Carioca”.
A partir deste fato cômico, surgiu o tema do que seria reconhecido como o primeiro samba moderno. Conhecido como "autor" da música, Donga, deu um desenvolvimento adequado para a letra criada pelo repórter Mauro de Almeida e a gravou na Casa Edison.
De acordo, entretanto, com grande parte dos cronistas musicais e pesquisadores, o tema em pauta teria sido desenvolvido, como tantos outros, na casa de Tia Ciata, numa das frequentes rodas de samba. Além da dona da casa, seu genro Germano, o “xará” Hilário Jovino - responsável pelo desfile dos ranchos no Carnaval - e outros sambistas. Como Donga nunca explicou direito porque registrou no nome dele uma obra coletiva, tia Ciata não quis mais falar com ele e os dois nunca se conciliariam.

São muitas as versões da história desse samba. Donga mais tarde diria que a primeira estrofe, a original e mais contundente, teria sido feita pelo Didi da Gracinda na casa de tia Ciata. O grande sambista da festa da Penha, Caninha, teria contado numa roda de amigos que o samba teria sido roubado de João da Mata e de Minam, compositores do Morro de Santo Antônio.
O samba "Pelo telefone" teria o carisma de ser uma coisa nova, criado inicialmente numa roda de partideiros sem preocupações autorais, depois recriado usando elementos musicais de diversas origens, e inserido como produto no mercado aberto pela indústria de diversões.


Curiosidades: afinal, o que é o samba?
Numa conversas dessas de esquina:
Donga: Ué, ué. Samba é isso há muito tempo. “O chefe da polícia / Pelo telefone / Mandou me avisar / Que na Carioca, / Tem uma roleta/ Para se jogar.”
Ismael Silva: Isso é maxixe.
Donga: Então o que é samba?
Ismael: “Se você jurar / Que me tem amor / Eu posso me regenerar / Mas se é pra fingir mulher / A orgia assim não vou deixar.”
Donga: Isso não é samba, é marcha.

A decisão está com vocês
http://www.youtube.com/watch?v=Qyf1EAeb3pI  - Ismael

http://www.youtube.com/watch?v=X99_DMzHPNg Donga

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