O Instituto dos Pretos
Novos quando ainda era apenas um cemitério de escravos
Por
Catarina Dorighetto
Durante anos, pessoas passaram pela Rua Pedro Ernesto número 36, na
Gamboa, e não imaginavam que ali estava enterrado um pedaço importante da nossa
história, numa casa construída no início do século XVIII. Os donos, Ana Maria
de La Merced e Petrúcio Guimarães, decidiram reformar a casa e durante as
escavações, em 1996, encontraram um secular e enorme sítio arqueológico de
escravos. Ana Maria conta, em entrevista à Prefeitura do Rio, que ficou bem
assustada quando viu todos aqueles ossos.
- Compramos o imóvel em 1990 e nos mudamos para cá. A casa era bem
antiga e precisava de reformas estruturais. Em 1996, iniciamos obras para uma
nova laje. Ao cavar, encontramos os ossos. Ficamos assustados. Na época, minhas
filhas eram adolescentes e não sabíamos o que fazer. Primeiro achamos que
haviam enterrado uma pessoa no quintal. Como já conhecíamos a história da
Região Portuária, do Cais do Valongo, do Lazareto e do Cemitério, à medida que
apareciam outros ossos, percebemos que este poderia ser o tal cemitério – afirma
Ana Maria.
Merced dirige o Instituto dos Pretos Novos |
O cemitério, que depois se descobriu que se chamava Cemitério dos Pretos
Novos, era para os negros que não conseguiram resistir à viagem de navio
negreiro, por doenças adquiridas durante o trajeto ou maus tratos nos
alojamentos e que morriam antes de serem vendidos. Junto aos ossos, foram
achados artesanatos de diversos materiais da época.
Cientes da importância do lugar criaram o Instituto dos Pretos Novos
(IPN), que visa a pesquisar e preservar a história e cultura afro-brasileira. Ana
Maria conta que achou essa descoberta ainda mais importante, porque não havia
nada nos livros de história que contasse sobre esses pretos novos.
Escavações na casa de Merced |
Vinte e oito ossadas foram encontradas e
mostram, de acordo com análises arqueológicas, que foram enterrados ali
adolescentes de 12 a 18 anos e crianças de 3 a 10 anos. A maioria pertencente
ao sexo masculino e entre 18 e 25 anos de idade. Todos os ossos, incluindo
crânios, costelas e dentes estão quebrados e isso mostra como os corpos dos
escravos eram tratados. Para Ana Maria, o IPN é uma grande forma de valorizar a
cultura negra.
- Fico muito emocionada e feliz por fazer parte
disto. Não desenterramos apenas o cemitério, mas sim toda uma história de dor,
luta e sofrimento. Anos de negação de um passado que fez com que o País se
tornasse o que é hoje. Vejo um movimento de resgate. Pessoas preocupadas em
reestabelecer contato com uma parte da história que pouco se sabia – conta Ana
Maria.
A visão do
Rio sob o olhar dos escravos
Ao
chegarem da África, os escravos eram amontoados em galpões e depois expostos
para serem vendidos. Quase metade dos negros que desembarcavam no Rio neste
período, morria antes de quatro anos. Devido às intensas atividades comerciais,
negreiras e portuárias, as regiões do Morro da Conceição e do Morro do
Livramento se encontravam abarrotadas.
As
atividades escravistas comerciais foram então alojadas na região do Valongo,
que já lá era mais arejado e menos incômodo. Em 1821, o Cemitério dos Pretos
Novos já estava rodeado de casas e os moradores começaram a reclamar com D.
Pedro e com o governo sobre as péssimas condições de higiene e o mau cheiro que
exalava dos corpos.
De
acordo com documentos achados no Arquivo Geral da cidade, o último sepultamento
no Cemitério dos Pretos Novos aconteceu somente no dia 13 de março de 1830.
Os
negros eram jogados direto na terra, uns sobre os outros e sem nenhuma
cerimônia religiosa. Para os escravos que sobreviviam, ver aquele desrespeito
com os corpos era um sofrimento emocional enorme, já que os cadáveres eram
jogados em locais inacessíveis. De acordo com a crença deles, o morto que não
fosse sepultado não tinha como se reencontrar com seus ancestrais em outro
plano, e dessa forma, os vivos perdiam a proteção dos antepassados no difícil
cotidiano e nas guerras.
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