segunda-feira, 1 de julho de 2013

A história desenterrada


O Instituto dos Pretos Novos quando ainda era apenas um cemitério de escravos

Por Catarina Dorighetto

Durante anos, pessoas passaram pela Rua Pedro Ernesto número 36, na Gamboa, e não imaginavam que ali estava enterrado um pedaço importante da nossa história, numa casa construída no início do século XVIII. Os donos, Ana Maria de La Merced e Petrúcio Guimarães, decidiram reformar a casa e durante as escavações, em 1996, encontraram um secular e enorme sítio arqueológico de escravos. Ana Maria conta, em entrevista à Prefeitura do Rio, que ficou bem assustada quando viu todos aqueles ossos.
- Compramos o imóvel em 1990 e nos mudamos para cá. A casa era bem antiga e precisava de reformas estruturais. Em 1996, iniciamos obras para uma nova laje. Ao cavar, encontramos os ossos. Ficamos assustados. Na época, minhas filhas eram adolescentes e não sabíamos o que fazer. Primeiro achamos que haviam enterrado uma pessoa no quintal. Como já conhecíamos a história da Região Portuária, do Cais do Valongo, do Lazareto e do Cemitério, à medida que apareciam outros ossos, percebemos que este poderia ser o tal cemitério – afirma Ana Maria.
Merced dirige o Instituto dos Pretos Novos

O cemitério, que depois se descobriu que se chamava Cemitério dos Pretos Novos, era para os negros que não conseguiram resistir à viagem de navio negreiro, por doenças adquiridas durante o trajeto ou maus tratos nos alojamentos e que morriam antes de serem vendidos. Junto aos ossos, foram achados artesanatos de diversos materiais da época.
Cientes da importância do lugar criaram o Instituto dos Pretos Novos (IPN), que visa a pesquisar e preservar a história e cultura afro-brasileira. Ana Maria conta que achou essa descoberta ainda mais importante, porque não havia nada nos livros de história que contasse sobre esses pretos novos.

 - Pesquisei na internet, em livros de história e nada. Nenhuma informação. Percebi certa negação sobre esta parte da história. Havia pouquíssimos registros dessa chegada e da vida do negro africano na colônia. Ao longo dos anos, vários pesquisadores, professores, arqueólogos e curiosos passaram por aqui. Foi um período de troca de informações. Com eles aprendemos muita coisa – comenta Ana Maria.
Escavações na casa de Merced

Vinte e oito ossadas foram encontradas e mostram, de acordo com análises arqueológicas, que foram enterrados ali adolescentes de 12 a 18 anos e crianças de 3 a 10 anos. A maioria pertencente ao sexo masculino e entre 18 e 25 anos de idade. Todos os ossos, incluindo crânios, costelas e dentes estão quebrados e isso mostra como os corpos dos escravos eram tratados. Para Ana Maria, o IPN é uma grande forma de valorizar a cultura negra.
- Fico muito emocionada e feliz por fazer parte disto. Não desenterramos apenas o cemitério, mas sim toda uma história de dor, luta e sofrimento. Anos de negação de um passado que fez com que o País se tornasse o que é hoje. Vejo um movimento de resgate. Pessoas preocupadas em reestabelecer contato com uma parte da história que pouco se sabia – conta Ana Maria.
A visão do Rio sob o olhar dos escravos


Ao chegarem da África, os escravos eram amontoados em galpões e depois expostos para serem vendidos. Quase metade dos negros que desembarcavam no Rio neste período, morria antes de quatro anos. Devido às intensas atividades comerciais, negreiras e portuárias, as regiões do Morro da Conceição e do Morro do Livramento se encontravam abarrotadas.
As atividades escravistas comerciais foram então alojadas na região do Valongo, que já lá era mais arejado e menos incômodo. Em 1821, o Cemitério dos Pretos Novos já estava rodeado de casas e os moradores começaram a reclamar com D. Pedro e com o governo sobre as péssimas condições de higiene e o mau cheiro que exalava dos corpos.
De acordo com documentos achados no Arquivo Geral da cidade, o último sepultamento no Cemitério dos Pretos Novos aconteceu somente no dia 13 de março de 1830.





Os negros eram jogados direto na terra, uns sobre os outros e sem nenhuma cerimônia religiosa. Para os escravos que sobreviviam, ver aquele desrespeito com os corpos era um sofrimento emocional enorme, já que os cadáveres eram jogados em locais inacessíveis. De acordo com a crença deles, o morto que não fosse sepultado não tinha como se reencontrar com seus ancestrais em outro plano, e dessa forma, os vivos perdiam a proteção dos antepassados no difícil cotidiano e nas guerras.

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