Com a revitalização do Porto Maravilha, samba ressurge
na Pedra do Sal atraindo jovens cariocas
Ao
chegar no final da Rua Argerimo Bulcão, próximo à Cedae, na esquina com a Rua
Francisco da Prainha, visualizo a pintura "Brasil Rumo ao Hexa". Já
começo a escutar as palmas do samba de partido-alto. Não seria por menos,
estaria a minutos de chegar no que é hoje o reduto do samba, a Pedra do Sal. No
sopé do Morro da Conceição, no Largo do João da Baiana, revisito a história do
samba. Nas rodas de cantores, nas feições humanas e no soar do violão, vejo uma
imagem do início do século XX, de um Rio de Janeiro não muito distante do que é
hoje em dia.
No
local ocupado pelos negros após as reformas do prefeito Passos, formava-se a
Pequena África - estendida por toda a zona do cais do porto até a Cidade Nova.
A sua capital era a Praça Onze, onde se
encontravam os redutos matriárquicos das baianas, carinhosamente conhecidas
como "tias". A mais famosa de todas as baianas, a mais influente, foi
Hilária Batista de Almeida, a tia Ciata, lembrada em todos os relatos do
surgimento do samba carioca e dos ranchos.
Tia
Ciata e a formação da cultura carioca
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Na casa da tia Ciata, os sambistas se encontravam de maneira segura.
Fonte: Marília T. Barboza e Arthur Oliveira Filho.
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Local
do berço de inúmeros sambas, maxixes, marchas e cultos ao candomblé, a casa da tia
Ciata, por volta do ano de 1916, era o pólo de resistência negra contra as
negligências do governo e da polícia, que vez ou outra rondava as casas para
ver se estava acontecendo alguma movimentação "duvidosa". Grandes figuras
do mundo musical carioca, Pixinguinha, João da Baiana, Donga, e Heitor dos
Prazeres, surgem ainda crianças naquelas rodas onde aprendem as tradições musicais
baianas a que depois dariam uma forma nova, carioca.
Para
o professor de História do Brasil Vinícius Sabato, o reduto africano no bairro
da Saúde permitiu aos negros uma identificação cultural que até então não era
concebida coletivamente por completa.
- No pequeno continente de africanos e
baianos, se podiam reforçar os valores do grupo, afirmar o seu passado cultural
e sua vitalidade criadora recusada pela sociedade. Da Pequena África no Rio de
Janeiro surgiriam alternativas concretas de vizinhança, de vida religiosa, de
arte, trabalho, solidariedade e consciência. Ali predominaria a cultura do negro
vindo da experiência da escravatura, no seu encontro com o migrante nordestino
de raízes indígenas e ibéricas e com o proletário europeu, com quem o negro
partilhava os azares de uma vida de sambista e trabalhado.
'Eu
posso me regenerar'
Músico
pandeirista de um dos grupos que fazem uma roda de samba, além de morador do
local, Carlos Filho reconhece a Pedra do Sal como berçário do samba carioca.
- Com tantos feras que sentaram onde eu estou
sentado, impossível não dizer uma coisa dessas. Pixinguinha, Sinhô, entre
outros que ditaram o ritmo do samba como a gente está fazendo agora.
Admirador
do samba - como o próprio diz, "de raiz"- e frequentador da Pedra do
Sal, Alexandre Marinho está feliz com a revitalização do local.
- Isso aqui há um tempo estava impraticável,
muitos ladrões, mendigos, o local estava jogado às traças. Um lugar tão bonito
e tão cheio de história. Hoje em dia caiu na boca do povo e cada vez está
trazendo mais gente. É bom para o local e para a pessoa que vai conhecer um
pouco mais sobre o samba e sua história.
Alexandre
não citou, mas esse rejuvenescimento e modernização do local fazem parte do revitalização
e reurbanização do Porto Maravilha, projeto idealizado pelo prefeito Eduardo
Paes. Com a primeira parte do planeamento, que inclui a urbanização do Morro da
Conceição, além da restauração dos Jardins Suspensos do Valongo, já concluída,
a população aos poucos vai conhecendo mais desta área, que conta bastante sobre
a história da formação da cidade. As obras estão previstas para ser entregues
até 2016. O professor de História do Brasil, Vinícius Sabato torce para que os
pobres não sejam abandonados, como ocorreu há cem anos durante a revitalização
do Centro.
-
Espero que o nosso prefeito não repita as atitudes de Pereira Passos.
E que vivam o samba e a Pedra do Sal!
As confusões que não foram contadas 'Pelo Telefone'
No
dia 3 de maio de 1913, em pleno dia no Largo da Carioca, os jornalistas Eustáquio
Alves Castelar de Carvalho e Orestes Barbosa, fazendo-se passar por banqueiro e
jogadores, afixaram o cartaz com os seguintes dizeres: “Jogo franco - Roleta
com 32 números - Só ganha freguês”. A matéria sairia no dia seguinte no jornal
A Noite com uma foto de populares em torno da roleta. O título na primeira
página dizia: “O jogo é franco; Uma roleta em pleno Largo da Carioca”.
A
partir deste fato cômico, surgiu o tema do que seria reconhecido como o
primeiro samba moderno. Conhecido como "autor" da música, Donga, deu
um desenvolvimento adequado para a letra criada pelo repórter Mauro de Almeida
e a gravou na Casa Edison.
De
acordo, entretanto, com grande parte dos cronistas musicais e pesquisadores, o
tema em pauta teria sido desenvolvido, como tantos outros, na casa de Tia
Ciata, numa das frequentes rodas de samba. Além da dona da casa, seu genro
Germano, o “xará” Hilário Jovino - responsável pelo desfile dos ranchos no
Carnaval - e outros sambistas. Como Donga nunca explicou direito porque
registrou no nome dele uma obra coletiva, tia Ciata não quis mais falar com ele
e os dois nunca se conciliariam.
São
muitas as versões da história desse samba. Donga mais tarde diria que a
primeira estrofe, a original e mais contundente, teria sido feita pelo Didi da
Gracinda na casa de tia Ciata. O grande sambista da festa da Penha, Caninha, teria
contado numa roda de amigos que o samba teria sido roubado de João da Mata e de
Minam, compositores do Morro de Santo Antônio.
O
samba "Pelo telefone" teria o carisma de ser uma coisa nova, criado
inicialmente numa roda de partideiros sem preocupações autorais, depois
recriado usando elementos musicais de diversas origens, e inserido como produto
no mercado aberto pela indústria de diversões.
Curiosidades:
afinal, o que é o samba?
Numa
conversas dessas de esquina:
Donga:
Ué, ué. Samba é isso há muito tempo. “O chefe da polícia / Pelo telefone /
Mandou me avisar / Que na Carioca, / Tem uma roleta/ Para se jogar.”
Ismael
Silva: Isso é maxixe.
Donga:
Então o que é samba?
Ismael:
“Se você jurar / Que me tem amor / Eu posso me regenerar / Mas se é pra fingir
mulher / A orgia assim não vou deixar.”
Donga:
Isso não é samba, é marcha.
A
decisão está com vocês
http://www.youtube.com/watch?v=Qyf1EAeb3pI - Ismael
http://www.youtube.com/watch?v=X99_DMzHPNg
Donga