quinta-feira, 4 de julho de 2013

O Novo Valongo, do que se trata



Os posts que os leitores vão ler no blog foram escritos pelos alunos de "Edição", do curso de Comunicação Social da PUC-Rio, no 1º semestre de 2013. Tentei sensibilizar a nova geração sobre a importância de ir para rua, observar, pesquisar, entrevistar e, finalmente, escrever uma reportagem. Muitos entenderam e realizaram um bom trabalho. Outros, mais preguiçosos ou atarefados, reconheço, optaram pelo trabalho mais  burocrático, feijão-com-arroz. Mesmo assim, acho que os leitores terão uma diversidade de informação sobre a região do Porto Maravilha.






     Vista da Gamboa – Abraham Louis Buvelot (1814-1888)

   Cemitério dos Ingleses situado na Gamboa, 1847. Joseph Alfred Martinet (1821-1875). Pintor e litógrafo francês. In “História dos Bairros. Zona Portuária”. Editora Index, .1987


A Prefeitura do Rio está investindo muito nessa área, mas, meu objetivo não era fazer propaganda política. E sim montar um painel da história da cidade desde o século XVII. O Morro da Conceição, como ponto de defesa da cidade e o berço do samba, o Valongo, como mercado de venda de escravos, o Cais do Valongo e o da Imperatriz, as obras do Pereira Passos, a descoberta do cemitério dos escravos.

Trata-se de uma maravilhosa viagem no tempo e no espaço.
Aproveitem e escrevam o que acharam. Não deixem de ver a continuação dos posts em páginas sucessivas.
Abraço
Rose Esquenazi
Pintura dos moradores próxima à Pedra do Sal. Foto R. Esquenazi


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Região Portuária em obras: Moradores sofrem com o período de mudanças


O projeto Porto Maravilha, iniciado em 2009, causa transtornos na região. A meta é finalizar as reformas até os Jogos Olímpicos de 2016.
Maria Eduarda Cota



            “É uma iniciativa ousada e muito importante para uma área totalmente abandonada, mas, em contrapartida, o trânsito fica caótico, há muita poeira e o barulho é infernal”. É desta forma que a cabeleireira Rosa Maria Mendes, moradora da região, descreve o projeto. A iniciativa tem como objetivo promover a reestruturação do espaço público da Zona Portuária. Para isto, está sendo empreendido um conjunto de obras visando ao redimensionamento das redes de água, luz e esgoto, a melhoria do trânsito e a recuperação do patrimônio histórico.
            A Operação Urbana Porto Maravilha abrange uma área de cinco milhões de metros quadrados, que inclui os bairros de Santo Cristo, Gamboa e Saúde. Para coordená-la foi criada a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp), responsável por gerir a concessão de obras e serviços públicos na região e administrar os recurso do projeto.
Canteiro de obras próximo à Praça Mauá. Foto: Bruno de Lima

A configuração atual da Zona Portuária se estabeleceu a partir da reforma urbana realizada pelo prefeito Pereira Passos, no início do século 20. O período, conhecido como “Bota abaixo”, realizou obras de saneamento, aterro, urbanismo e de embelezamento da cidade nos moldes franceses. Para isto, o prefeito promoveu o alargamento das ruas e abertura de avenidas a partir da demolição de casarões e prédios. Foi durante a gestão de Pereira Passos que Oswaldo Cruz empreendeu seu plano de saneamento e higienização. O projeto envolvia medidas de controle da população, o que culminou na Revolta da Vacina em 1904. A reforma de Pereira Passos implicou em alto custo social, com o início da formação de favelas na cidade.



Os impactos nos moradores

            O superintendente de Desenvolvimento Econômico e Social da Cdurp, Rogério Riscado, ressaltou que, antes da Operação Urbana iniciar, foi feito o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), obrigatório por lei. O estudo investiga a situação atual e fornece opções de atuação, projeções de resultados e de possíveis impactos causados pelas intervenções.
            O coreógrafo Tony Tara, morador de São Cristóvão, que faz fronteira aos bairros portuários, relatou o transtorno causado por uma obra. “Não fomos avisados antes de a obra começar e havia dias em que era impossível sair ou entrar de carro na rua. Isso sem considerar os danos no asfalto das ruas ao lado e um acidente que deixou a região sem água por 15 dias”.
            O projeto inclui a desapropriação de imóveis e estabelecimentos considerados de utilidade pública. Segundo Rogério Riscado, 50 famílias que viviam no local conhecido como Praia Formosa foram desapropriadas até hoje. De acordo com o superintendente, o Porto Maravilha busca reassentar os moradores na própria região ou no entorno.
              O conjunto de intervenções do projeto Porto Maravilha, como as melhorias de infraestrutura e transporte, está gerando a valorização imobiliária da região. Anteriormente, a Zona Portuária se encontrava em um quadro de abandono que levou ao êxodo da população e, consequentemente, à queda do preço dos imóveis. Com o projeto, estima-se um aumento de 22 mil habitantes para 100 mil até 2020.
            Segundo Rogério Riscado, os moradores podem enviar suas reclamações e sugestões por meio das redes sociais do projeto (Facebook e Twitter), das ouvidorias e pela Central de Atendimento gratuita (0800 880 7678). Há relatórios trimestrais que registram a quantidade de contatos e o desenvolvimento do processo de atendimento. Os dados podem ser acompanhados desde o ano passado, quando as informações começaram a ser incluídas no relatório periódico.

Projeção do Projeto Porto Maravilha. Divulgação


O Morro que não é favela



Região do Valongo passa por transformações
E gera debate entre o futuro e o passado
Por Yke Leon

          Em 1590, a devota Maria Dantas construiu uma pequena capela no topo de um morro em homenagem a Nossa Senhora da Conceição. Anos mais tarde, doou aos frades do Carmo a ermida e as terras do entorno para a construção de um convento, que veio a se tornar, décadas depois, o Palácio Episcopal. O morro, claro, foi batizado de Morro da Conceição. O que Maria jamais iria imaginar é que ele seria epicentro de uma mudança profunda no Centro da cidade do Rio de Janeiro e, por sua vez, se tornaria tão valorizado.
          Em 1926, o Observatório do Valongo foi fundado registrando o outro nome pelo qual o morro é conhecido, em sua porção noroeste, onde se ergue um segundo pico menos proeminente. Nos dicionários, Valongo é nome de gente ou acidente geográfico, ensinou Brasil Gerson em seu História das Ruas do Rio de Janeiro.

            No sopé norte do Morro da Conceição,  encontra-se a Pedra do Sal, rocha "onda" onde, até fins do século XIX, batiam as águas da Baía de Guanabara. Era ali onde os navios negreiros desembarcavam escravos trazidos da África. Essa mistura entre a cultura negra e os ritmos daquele continente uniu-se à malandragem carioca resultando no que hoje chamamos de samba. Não à toa, o cantor Diogo Nogueira, filho do baluarte do ritmo João Nogueira, tem uma casa de festas por lá, na Rua Camerino, antiga Rua do Valongo.

            Na Rua Camerino, próxima ao bairro da Saúde, ficavam os mercados de escravos nos séculos XVIII e XIX. O bairro chegou a ser conhecido como a Pequena África, tamanha era a população negra que circulava por ali. Mesmo depois da abolição da escravatura, os “agora” libertos, em busca de trabalho no porto e moradia barata, continuaram na região. Lá, eles se encontraram com os  negros baianos que vieram para o Rio fixando-se no bairro da Saúde.  Assim como o bloco Escravos da Mauá, fundado no nosso século, e  formado por funcionários públicos – isto é, “novos escravos” (?). O nome do grupo carnavalesco não podia ser mais previsível.


            Talvez aqueles homens simples, de origem ainda mais simplória, jamais pudessem ter imaginado que, quase dois séculos depois, os olhos da cidade se voltariam para essa região novamente. Em virtude do crescimento econômico do Brasil nos últimos anos e da importância do Rio de Janeiro nessa fatia de desenvolvimento, a Prefeitura do Rio deu início à chamada Operação Urbana Porto Maravilha. Segundo a Secretaria Municipal de Obras, o projeto pretende “preparar a Região Portuária para os grandes eventos que vão ocorrer na cidade nos próximos anos”.  A região que “por muitos anos relegada a segundo plano”, agora, talvez, volte a se  integrar à cidade.
            Mas nem tudo são flores no país do futebol. As recentes manifestações que se espalharam rapidamente por todo o Brasil e que geraram reflexos em mais de 30 países ao redor do mundo, mostraram que a população não está satisfeita com todos os investimentos que estão sendo feitos em nome da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. Diariamente, a população vivencia hospitais superlotados, escolas com aprovação automática e material didático escasso e a violência sistematicamente maior. Em contrapartida, acompanha as cifras bilionárias que são investidas nos enormes estádios e arenas de competição para esse evento. Só na reforma do Maracanã foi gasto quase R$ 1 bilhão.
            Até mesmo os operários da Concessionária Porto Maravilha exigiram melhores condições de trabalho, no final do mês de março deste ano. Ocuparam a Avenida Rodrigues Alves, uma das principais vias de acesso ao Centro, perto da Rua Santo Cristo, na Zona Portuária. De lá, os manifestantes seguiram pela Avenida Presidente Vargas, onde ocuparam duas faixas da pista central, em direção à Igreja da Candelária.
            Embora existam as críticas às condições em que esse desenvolvimento vem sendo imposto para a população, há quem tenha se beneficiado das obras e do suposto progresso. Ana de Souza, que trabalhava vendendo quentinha, fez uma parceria com a primeira empresa responsável pelas obras do Porto Maravilha. Nessa época, o pequeno restaurante da comerciante se tornou o distribuidor de 700 refeições diárias para os operários da construção.
         - Meu negócio chegou a movimentar mensalmente R$ 70 mil. Cheguei a ter nove funcionários de carteira assinada trabalhando para mim - disse ela, saudosa.
Com o dinheiro que ganhou, Ana comprou uma casa para uma de suas três filhas no valor de R$ 10 mil (atualmente o imóvel vale R$ 80 mil). Além disso,  investiu em uma laje em cima de seu restaurante, que hoje aluga para ganhar um dinheiro extra. Mas a situação mudou. Hoje, o Sabor das Anas fornece cerca apenas  de 60 a 70 refeições diárias.
          - Minha ideia é transformar o espaço em uma churrascaria - planeja a comerciante que espera que a conclusão das construções no Porto Maravilha traga turistas e visitantes para a região.

         O que será do futuro ainda é impossível dizer, mas essa, sem dúvidas, é apenas mais uma das tantas transformações que essa região, reduto de índios e escravos marginalizados, já sofreu.



Prepare-se para a caminhada pelo Valongo seguindo as dicas das aulas de Edição, da PUC-Rio. Conheça um pouco mais do passado dessa Cidade Olímpica.

Horário proposto de partida: 12h
Duração do passeio: Cerca de 2h
Dica: Prepare-se para andar! Muitos lugares são acessíveis de carro, mas nada como conhecer através com as nossas próprias pernas, não é mesmo? Então coloque um tênis confortável, leve uma garrafa d’água e se prepare para o passeio.
Partida: O recém-inaugurado Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá.
1) Comece pelo Morro da Conceição – primeira subida atrás do prédio da Rádio Nacional. Um reduto português que lembra Pequena Alfama, em Lisboa.
Dica: Uma comida saborosa com preço acessível está no restaurante Imaculada, na subida do Morro.
2) Rua do Acre: Passe pela região da Prainha e descubra que o mar ia até lá. Aproveite para conhecer também a Capela de São Francisco da Prainha e o Largo João da Baiana, onde hoje parte o bloco Escravos da Mauá.
3) Não deixe de dar um passeio pela Pedra do Sal, local de encontro de antigos sambistas e que hoje tem sido revisitada pela nova geração do ritmo. A ladeira foi escavada por escravos e dá acesso ao Morro da Conceição, onde existia um antigo quilombo.
4) Na Rua Camerino, antiga Rua do Valongo, é possível ver onde rolava o comércio de escravos e os aparelhos de tortura para os mais displicentes.  
5) O próximo passo é conhecer os Jardins Suspensos do Valongo, o Mictório Público e a Casa da Guarda, construídos em 1907, pelo então prefeito Pereira Passos, durante o período que ficou conhecido como Belle Époque.

Quer saber mais sobre a região e conferir outras dicas? Acesse: www.novovalongo.blogspot.com



Morro da Conceição: Passado e presente construindo uma história



Ana Carolina Cardoso

O Morro da Conceição é um desses lugares escondidos da cidade do Rio de Janeiro que nos remete ao passado. Localizado próximo à Praça Mauá, no bairro da Saúde, o Morro da Conceição reúne muitas famílias de origem portuguesa. É uma região de importância histórica significativa.
 Juntamente com o Morro do Castelo, Santo Antônio e São Bento,  - o  Morro da Conceição foi um marco na ocupação inicial do Rio de Janeiro. Juntos, formavam o quadrilátero onde a cidade cresceu durante três séculos, a partir de 1565. Essa ocupação da cidade começando pelos morros não foi por acaso. Era uma questão estratégica de defesa contra possíveis invasores. Tentando se proteger, no alto do morro, o exército português instalou canhões e fortalezas em volta de toda a Baía de Guanabara. E em consequência, os moradores do local tinham que conviver constantemente com altivos estrondos das balas de canhões. E não era só isso: havia cheiro constante de pólvora e fumaça que se alastrava por toda a Baía.


A vida no Morro da Conceição era semelhante aos tradicionais bairros portugueses da época. Mas seu nome nem sempre foi esse. No início, chamava-se Morro do Valongo. Essa distinção foi usada até o começo do século XX, com a fundação do Observatório do Valongo, em 1926. Já a origem do seu nome atual se deu por conta de uma pequena capela em homenagem a Nossa Senhora da Conceição, que desde então se tornou padroeira do lugar. A capela foi construída no topo do morro em 1590, por uma devota chamada Maria Dantas. Após a construção, ela doou a capela aos frades do Carm. Além disso, deu também um terreno para a construção de um convento. Em 1659, os monges capuchinhos franceses iniciaram a construção do que veio a tornar-se, várias décadas depois, o Palácio Episcopal.

O lugar abriga inúmeros outros atrativos como, por exemplo, a Pedra do Sal. O local tem uma  especial importância para a cultura negra e para amantes do samba e do choro. Lá perto, a partir de 1608,  ficava o grande mercado de escravos. Depois se tornou reduto do samba reunindo nomes conhecidos como Donga, Pixinguinha, João da Baiana, entre outros. Há também o Jardim  Suspenso do Valongo, construção paisagística, a sete metros do nível da rua, com  1.530 metros quadrados. Foi planejado para ser um muro de contenção feito durante as obras de urbanização do prefeito da Pereira Passos, no início do século passado.
Subindo o morro, pudemos comprovar que realmente existem muitos traços portugueses não só na arquitetura, mas no modo de vida. As ruas e escadas são extremamente estreitas e íngrimes. Lá encontramos ruas com nome de brinquedo como a Rua do Escorrega, e Jogo da Bola. A maioria de seus moradores mora lá há muitos anos, e é praticamente impossível  não saber a história do lugar onde vive.


 Josefina de Jesus Andrade dos Santos, 68 anos, afirma sem pestanejar que vive há mais de 60 no Morro por opção.

- Olha minha filha, eu moro aqui desde que nasci e nunca em toda a minha vida quis morar em outro lugar. Meus filhos todos casaram e foram embora. Eles me ofereceram até casa para sair daqui, mas eu não quero não. Aqui parece muito com a terra dos meus pais, que conheci quando eu ia passar férias lá. Não troco isso aqui por nada, viu? Enquanto viver, estarei aqui.

Refúgio do Porto Maravilha


Jardim Suspenso do Valongo é o novo oásis do Centro do Rio
Por Fillipe Lorenzoni



Bonita por natureza e com uma alegria revigorante, a Cidade Maravilhosa não para de se adaptar aos novos tempos. Inspirado por outras revitalizações, o atual governo da cidade resolveu recuperar belezas esquecidas ou depredadas com o passar dos anos. Em um projeto ambicioso, a revitalização da Zona Portuária, que ganhou o nome de Porto Maravilha, reestrutura várias áreas da região, descobrindo oásis esquecidos em pleno Centro do Rio e revivendo uma história escravagista que nunca deveria ter sido esquecida.
Criado no ano de 1906, pelo então prefeito Pereira Passos, o Jardim Suspenso do Valongo, foi projetado pelo paisagista Luis Rei como uma obra de contenção do antigo Morro do Valongo, hoje Morro da Conceição. Localizado ao final da Rua Camerino, no bairro Saúde, a antiga Rua do Valongo ligava o Cais do Valongo ao Largo do Depósito, conhecido como um dos principais pontos de venda de escravos e objetos para a prática da escravidão. A criação desse espaço teve total interesse em apagar o passado escravagista da área portuária da cidade, tirando qualquer sinal do passado para quem chegasse à cidade através do porto, tornando-se um lugar romântico, onde a sociedade da época desfrutava de passeios.

Visão geral do Jardim do Valongo

Após cem anos, o Jardim que foi recuperado pela prefeitura da cidade, vive um momento de grandes descobertas. Cercado por outros pontos importantes para história do país, os jardins suspensos representam um canto de paz e beleza para quem vive por ali. O segurança do local, José Paulo de França, 42 anos, natural de Recife e morador do Complexo do Alemão, conta que é muito tranquilo no Valongo.
 – Não tenho muito trabalho por aqui, os moradores comentam que aqui era dominado por usuários de drogas, hoje eu vejo apenas turistas e pessoas que fogem da correria do centro para momentos de silêncio. Passo meus dias aqui, há um ano, e não pretendo sair.
É possível notar o carinho que os funcionários têm pelo local. Para a manutenção dos jardins, não é preciso de muita coisa afirma o jardineiro da Risoma, prestadora de serviço do Porto Novo. Alexandre Bento Medeiros, 30, é jardineiro há dois anos e diz que o único trabalho é trocar plantas que não estão mais tão bonitas.
 –  Às segundas-feiras, trocamos tudo o que deve ser trocado. No restante da semana, mexemos na terra e podamos o que for necessário. É um serviço tranquilo, pois ainda não temos muitas pessoas frequentando. São os turistas que mais aparecem e normalmente nos fins de semana. O bom é contar com os moradores, que não depredam mais o lugar e aproveitam do espaço de forma educada.
O jardim fica aberto à visitação de terça a domingo, das 10h às 18h, e a Casa da Guarda,  que fica na mesma área, abriga uma exposição com peças arqueológicas das escavações das obras do Porto. Além das flores e árvores que tornam o jardim um oásis, também é possível observar estátuas dos Deuses Minerva, Marte, Ceres e Mercúrio que ficavam no Cais da Imperatriz.
No local, você não encontra guias ou historiadores. Para participar de uma visita guiada pelo circuito histórico, que inclui passagens pelo Cais do Valongo e da Imperatriz, Jardim do Valongo e Casa da Guarda é preciso agendar. As saídas ocorrem às 11h e às 14h, de terça a domingo. Marcações para grupos pelo email: atendimento@meuportomaravilha.com.br.
Mictório Público vira Posto de Informações
Enquanto a Prefeitura investe na reestruturação da Zona Portuária, o turismo continua voltado para os pontos clássicos da cidade como o Cristo Redentor e Pão de Açúcar, não havendo material destinado para as novas descobertas da cidade como o Instituto dos Pretos Novos, Cais da Imperatriz e Cais do Valongo, muito menos informações sobre a Pedra do Sal e o Jardim Suspenso do Valongo.
Um novo posto para informações turísticas foi instalado no antigo Mictório Público, localizado junto aos Jardins Suspensos, aberto ao público às quartas-feiras. É visível o despreparo do local para as novas descobertas da cidade. Os materiais disponíveis são apenas voltados aos pontos clássico em apenas uma língua: a inglesa. Além dos pontos turísticos, os materiais fornecem informações relevantes a Copa das Confederações, ensaio da Copa do Mundo, que ocorrerá no país no próximo ano.
Em meio a protestos, o Brasil vive momentos de mudanças, mas o Rio de Janeiro já vem adaptando-se aos novos tempos. Prestes a sediar eventos de porte mundial, como a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016), as reestruturações de espaços públicos e meios de transportes, o Porto Maravilha vem para embelezar a cidade e proporcionar novos espaços de lazeres. A recepcionista bilíngue do novo posto de informações, Fátima Brito, 41 anos, contratada pela prestadora de serviço Rio Tour, só ficou sabendo da existência do Jardim no momento que inaugurou o serviço informativo. Moradora de Niterói, fluente em francês, espanhol e italiano, ainda encontra muitas dificuldades em explicar a história do local, já que não recebeu nenhuma formação sobre o assunto.
Fátima Brito: simpatia para receber turistas, mas sem informação adequada.
Foto divulgação


– Passei a conhecer um pouco da história do Jardim e a Pedra do Sal no meu horário de almoço, acompanhando os passeios guiados. Em nenhum momento fui preparada para informar sobre o Porto Maravilha, e sempre que questionada fico com medo de explicar de forma errada ou falha.  

O portal do Morro


Morro da Conceição é palco de incentivo e experimentação da arte


Por Thaís Mandarino


O espetáculo teatral Vermelho, escrito por John Logan, com direção de Jorge Takla, e interpretado por Antônio Fagundes e seu filho Bruno Fagundes, retrata momentos da vida do pintor russo-americano Mark Rothko. Ao final da peça, o pintor relembra como era bom quando os artistas só pintavam por pintar, por sentir necessidade; não existia galeria de arte ou marchand. Vermelho revela o fim que levou Mark Rothko: acabou ficando rico, mas se afundou na bebida e no cigarro e acabou morrendo por conta disso. Morreu rico e insatisfeito, pois sua arte já não era apreciada do jeito que ele julgava merecer. O fantasma que transformara sua arte em negócio comercial o acompanhou até seu último dia.
A peça, cuja temporada já se encerrou no teatro SESC Ginástico, emocionou especialmente um de seus espectadores. Quando a peça terminou, ele, também pintor, aplaudia e chorava ao mesmo tempo. Confessou depois que o choro veio em razão da emoção de saber que seus pensamentos e emoções já foram sentidos e pensados por outro pintor tempos atrás. Paulo Dallier nunca estudou pintura, e só começou a pintar aos 39 anos, após uma fatalidade na família. O sobrinho faleceu e a pintura tornou-se seu modo de sobreviver em meio à dor. Sua arte impactante é reconhecida tanto por quem entende do assunto quanto por crianças e leigos.
Dallier se autodenomina o “portal do Morro da Conceição”. Seu atelier, o número 15, na Ladeira João Homem, é também onde mora. São, ao todo, 16 ateliers. Seu avô comprou a casa em 1904, e Dallier foi para lá em 1932, aos três meses de idade. Na época em que era criança e já morava lá, a Presidente Vargas ainda não existia, e a Galeria Cruzeiro – onde hoje é o Edifício Avenida Central – ainda estava lá. Ele diz que a primeira lembrança que tem de sua vida é acordando numa manhã de Natal no Morro da Conceição. 

Dallier em seu atelier no Morro da Conceição. Foto Thaís Mandarino

De acordo com Dallier, o Morro da Conceição é o que resta do início do Rio de Janeiro, e na opinião dele, se não fosse construído em cima de pedras, o Morro já teria ido abaixo. A respeito da questão da revitalização do Morro com o Porto Maravilha e o Projeto Mauá – que ele criou com os pintores Marcelo Frazão, Claudio Aun e Renato Sant’ana – Dallier pensa que ninguém pode evitar o progresso. E se for preciso, ele roda a baiana com aqueles que têm medo do Morro ser invadido, das crianças não poderem mais brincar e correr pelas ruas e as mulheres não mais poderem conversar por cima dos portões. O pintor vibra com a projeção que o lugar vem ganhando. “Agora as pessoas vão ao museu MAR, e depois vêm aqui. O prefeito se tornou o curador do Morro da Conceição, e o Morro passou a ser a princesinha do Porto Maravilha.”
Dallier vê o Morro da Conceição como sua segunda pátria. Sua ligação com o lugar é tão grande que ele já compôs até um hino para o Morro. “Quando eu morrer, quero que os outros artistas carreguem meu caixão cantando o hino que eu fiz”. Dallier tem também blogs e crônicas sobre o Morro e está montando um livro com fotos, textos e letras de músicas sobre o Morro e também sobre ele. “Meu sonho era transformar esta casa no Centro de Cultura Paulo Dallier, mas como a casa não é minha não sei se será possível.”
A casa onde mora e tem seu atelier montado não é dele, mas da família. Dallier explicou que entregaram a ele um comodato que talvez force-o a deixar o local em março do ano que vem. A casa já serviu de moradia a muitos familiares, e a última moradora antes de Dallier foi uma prima – que ainda morava na casa quando ele chegou. Ela passava por um momento de depressão e isso se refletia no estado da casa, triste e abandonada. Após a morte da prima, o pintor vendeu alguns quadros e conseguiu dinheiro para a reforma.




Naquela manhã de chuva, Dallier estava chateado consigo mesmo e havia saído do atelier para ver a exposição que reúne o acervo de obras de arte brasileira de Roberto Marinho, no Paço Imperial. Segundo o artista, a visita à exposição deu a ele um jato de esperança, pois percebeu que sua obra não deixava nada a dever em relação ao que viu. Dallier, prestes a completar 81 anos, relembrou seu sonho de menino: morar no local onde agora está o Parque Lage e montar ali seu estúdio cinematográfico. Ele seria um produtor e diretor como Orson Welles. “É interessante como o cinema – sonho antigo – entrou agora no final de minha vida para marcá-la. Devo ter participado de oito documentários sobre o Morro e a minha arte”.



Obra de arte a céu aberto

O artista plástico Hélio Oiticica dizia que a obra de arte e a vida não se dissociam. Quem for ao Morro da Conceição saberá que Hélio esteve sempre certo. O Morro é como uma obra de arte em carne viva. Um Rio de Janeiro que preserva a arquitetura antiga e o ritmo de uma vida que não se leva mais em grandes capitais. E este lugar corta a cidade ao meio, fica no Centro. Uma dose de País das Maravilhas da Alice e Terra do Nunca de Peter Pan. No Morro da Conceição, existe sacolé de abacate, goiaba e manga por um real. Tem micos passeando pelos fios, meninos andando em suas motocicletas e jogando bola nas ruas. Tem mulheres conversando por cima do portão. Uma janela revela o ritmo do relógio da casa: a arvorezinha de Natal ainda não havia sido desmontada. É bem provável que fique até o Natal deste ano. Por que a pressa?



Um guia fala a seus ouvintes sobre o lugar inundado de história. Enquanto isso, no bar logo abaixo na mesma rua, os amigos do Luciano cantam parabéns para o amigo. Os nomes das ruas estão conservados desde os tempos de sua criação: Rua Jogo da Bola, Ladeira João Homem, Travessa do Sereno, Largo João da Baiana. O carioca tem saída para o estresse diário e não precisa ir muito longe. É simples: um pouco antes da Praça Mauá – onde fica o museu MAR – existe uma ruela, onde fica a antiga Rádio Nacional. Ali existe uma escadinha, a tal que leva ao Morro da Conceição. É difícil não reconhecer esta escadinha. Mesmo sem nunca ter visto, algo no ar indica que não pode ser outra. É ela que liga o Rio da realidade ao Rio dos sonhos, aos ateliers da Ladeira João Homem, ao samba na Pedra do Sal, aos Jardins do Valongo, àquela gente simples e àquele silêncio que é bom de (não) escutar. 

Pedra do Sal e seus compassos

Com a revitalização do Porto Maravilha, samba ressurge na Pedra do Sal atraindo jovens cariocas


Francisco Vaz


Ao chegar no final da Rua Argerimo Bulcão, próximo à Cedae, na esquina com a Rua Francisco da Prainha, visualizo a pintura "Brasil Rumo ao Hexa". Já começo a escutar as palmas do samba de partido-alto. Não seria por menos, estaria a minutos de chegar no que é hoje o reduto do samba, a Pedra do Sal. No sopé do Morro da Conceição, no Largo do João da Baiana, revisito a história do samba. Nas rodas de cantores, nas feições humanas e no soar do violão, vejo uma imagem do início do século XX, de um Rio de Janeiro não muito distante do que é hoje em dia.

No local ocupado pelos negros após as reformas do prefeito Passos, formava-se a Pequena África - estendida por toda a zona do cais do porto até a Cidade Nova. A sua capital era a Praça Onze,  onde se encontravam os redutos matriárquicos das baianas, carinhosamente conhecidas como "tias". A mais famosa de todas as baianas, a mais influente, foi Hilária Batista de Almeida, a tia Ciata, lembrada em todos os relatos do surgimento do samba carioca e dos ranchos.


Tia Ciata e a formação da cultura carioca

Na casa da tia Ciata, os sambistas se encontravam de maneira segura. 
Fonte: Marília T. Barboza e Arthur Oliveira Filho. 



Local do berço de inúmeros sambas, maxixes, marchas e cultos ao candomblé, a casa da tia Ciata, por volta do ano de 1916, era o pólo de resistência negra contra as negligências do governo e da polícia, que vez ou outra rondava as casas para ver se estava acontecendo alguma movimentação "duvidosa". Grandes figuras do mundo musical carioca, Pixinguinha, João da Baiana, Donga, e Heitor dos Prazeres, surgem ainda crianças naquelas rodas onde aprendem as tradições musicais baianas a que depois dariam uma forma nova, carioca.

Para o professor de História do Brasil Vinícius Sabato, o reduto africano no bairro da Saúde permitiu aos negros uma identificação cultural que até então não era concebida coletivamente por completa.
 - No pequeno continente de africanos e baianos, se podiam reforçar os valores do grupo, afirmar o seu passado cultural e sua vitalidade criadora recusada pela sociedade. Da Pequena África no Rio de Janeiro surgiriam alternativas concretas de vizinhança, de vida religiosa, de arte, trabalho, solidariedade e consciência. Ali predominaria a cultura do negro vindo da experiência da escravatura, no seu encontro com o migrante nordestino de raízes indígenas e ibéricas e com o proletário europeu, com quem o negro partilhava os azares de uma vida de sambista e trabalhado.


                                  'Eu posso me regenerar'


Músico pandeirista de um dos grupos que fazem uma roda de samba, além de morador do local, Carlos Filho reconhece a Pedra do Sal como berçário do samba carioca.

-  Com tantos feras que sentaram onde eu estou sentado, impossível não dizer uma coisa dessas. Pixinguinha, Sinhô, entre outros que ditaram o ritmo do samba como a gente está fazendo agora.

Admirador do samba - como o próprio diz, "de raiz"- e frequentador da Pedra do Sal, Alexandre Marinho está feliz com a revitalização do local.

-  Isso aqui há um tempo estava impraticável, muitos ladrões, mendigos, o local estava jogado às traças. Um lugar tão bonito e tão cheio de história. Hoje em dia caiu na boca do povo e cada vez está trazendo mais gente. É bom para o local e para a pessoa que vai conhecer um pouco mais sobre o samba e sua história.

Alexandre não citou, mas esse rejuvenescimento e modernização do local fazem parte do revitalização e reurbanização do Porto Maravilha, projeto idealizado pelo prefeito Eduardo Paes. Com a primeira parte do planeamento, que inclui a urbanização do Morro da Conceição, além da restauração dos Jardins Suspensos do Valongo, já concluída, a população aos poucos vai conhecendo mais desta área, que conta bastante sobre a história da formação da cidade. As obras estão previstas para ser entregues até 2016. O professor de História do Brasil, Vinícius Sabato torce para que os pobres não sejam abandonados, como ocorreu há cem anos durante a revitalização do Centro.
- Espero que o nosso prefeito não repita as atitudes de Pereira Passos.
 E que vivam o samba e a Pedra do Sal! 

As confusões que não foram contadas 'Pelo Telefone'

No dia 3 de maio de 1913, em pleno dia no Largo da Carioca, os jornalistas Eustáquio Alves Castelar de Carvalho e Orestes Barbosa, fazendo-se passar por banqueiro e jogadores, afixaram o cartaz com os seguintes dizeres: “Jogo franco - Roleta com 32 números - Só ganha freguês”. A matéria sairia no dia seguinte no jornal A Noite com uma foto de populares em torno da roleta. O título na primeira página dizia: “O jogo é franco; Uma roleta em pleno Largo da Carioca”.
A partir deste fato cômico, surgiu o tema do que seria reconhecido como o primeiro samba moderno. Conhecido como "autor" da música, Donga, deu um desenvolvimento adequado para a letra criada pelo repórter Mauro de Almeida e a gravou na Casa Edison.
De acordo, entretanto, com grande parte dos cronistas musicais e pesquisadores, o tema em pauta teria sido desenvolvido, como tantos outros, na casa de Tia Ciata, numa das frequentes rodas de samba. Além da dona da casa, seu genro Germano, o “xará” Hilário Jovino - responsável pelo desfile dos ranchos no Carnaval - e outros sambistas. Como Donga nunca explicou direito porque registrou no nome dele uma obra coletiva, tia Ciata não quis mais falar com ele e os dois nunca se conciliariam.

São muitas as versões da história desse samba. Donga mais tarde diria que a primeira estrofe, a original e mais contundente, teria sido feita pelo Didi da Gracinda na casa de tia Ciata. O grande sambista da festa da Penha, Caninha, teria contado numa roda de amigos que o samba teria sido roubado de João da Mata e de Minam, compositores do Morro de Santo Antônio.
O samba "Pelo telefone" teria o carisma de ser uma coisa nova, criado inicialmente numa roda de partideiros sem preocupações autorais, depois recriado usando elementos musicais de diversas origens, e inserido como produto no mercado aberto pela indústria de diversões.


Curiosidades: afinal, o que é o samba?
Numa conversas dessas de esquina:
Donga: Ué, ué. Samba é isso há muito tempo. “O chefe da polícia / Pelo telefone / Mandou me avisar / Que na Carioca, / Tem uma roleta/ Para se jogar.”
Ismael Silva: Isso é maxixe.
Donga: Então o que é samba?
Ismael: “Se você jurar / Que me tem amor / Eu posso me regenerar / Mas se é pra fingir mulher / A orgia assim não vou deixar.”
Donga: Isso não é samba, é marcha.

A decisão está com vocês
http://www.youtube.com/watch?v=Qyf1EAeb3pI  - Ismael

http://www.youtube.com/watch?v=X99_DMzHPNg Donga

Vestígios de um passado enterrado no chão




Arqueólogos encontram parte da história do Brasil no Cais do Valongo e da Imperatriz

Anna Paula Duarte Guimarães


Foi o chão que revelou um passado tipicamente brasileiro marcado pelo hábito de esconder qualquer vestígio de uma história “pouco honrável”. Paralelepípedo era algo muito pouco comum no século XVII e foi através dele que aconteceu a redescoberta do cais da Imperatriz e, debaixo dele, o cais do Valongo. Essas escavações trouxeram a tona discussões sobre como o Brasil é um país coberto de diferenças sociais. Essas diferenças e o preconceito associado a elas tem origem muito antes do que se imagina.
Foi a diferença entre o chão dos dois cais a responsável por revelar um pedaço muito importante da história brasileira. Enquanto um foi feito sem cuidado e com um piso irregular, o outro foi elaborado de forma perfeita com um material pouco comum na época. Mas o chão era só um detalhe do grande abismo social enterrado junto com aquela parte da história.
A redescoberta do Cais do Valongo e do Cais da Imperatriz faz parte do projeto de revitalização do Porto Maravilha. O Cais do Valongo foi porta de entrada de meio milhão de escravos no Brasil entre os anos de 1811 e 1831. Já a Imperatriz Teresa Cristina, futura esposa de Dom Pedro II, colocou os pés pela primeira vez no Brasil naquele mesmo local antes tomado por escravos.

O Cais da Imperatriz e do Valongo: descobertas valiosas. Foto Anna Paula Duarte Guimarães

Durante a escavação que trouxe à tona uma parte importantíssima da cultura afrodescendente e da cultura brasileira muitos objetos pessoais foram descobertos, como amuletos e objetos de cultos religiosos vindo de Moçambique, Congo e Angola. Toda esses objetos ajudam a lembrar uma parte da história brasileira esquecida. "O Cais do Valongo é um lugar simbólico, porque ali está o passado da população afrodescendente do país", explica Tânia Andrade Lima, arqueóloga do Museu Nacional que supervisiona as obras no porto.
Lá se esconde parte da história que é capaz de ajudar a entender o povo brasileiro hoje, em pleno século XXI. Em entrevista, o historiador Daniel Pinha falou sobre os resquícios de um Brasil escravista ainda presentes em nossa sociedade. “Criminalização da pobreza e o racismo contra os negros são os principais sinais  desses resquícios escravistas. Há também a desvalorização do trabalho manual e das tarefas exercidas pelos escravos. Por outro lado, apesar da persistência do racismo, há uma condenação moral a essa prática (que se estende por leis cada vez mais rígidas) e meios de denúncia para investigar e punir esse tipo de prática. O movimento negro cresce e políticas afirmativas contribuem para atenuar esse problema”, explica Daniel Pinha.
O lugar de chegada é a única semelhança entre os dois fatos, até mesmo o cais propriamente dito era outro. Para que Tereza Cristina pudesse desembarcar em solo brasileiro foi erguido pelo arquiteto Grandjean, um novo Cais em cima do antigo Valongo, que já era marca de um passado vergonhoso em um momento onde a escravidão era condenada por todo o mundo.
Daniel Pinha falou também sobre a grande diferença entre as viagens: As condições eram péssimas, de tal modo que geravam mortes pelos mais diversos motivos. Tratava-se de uma viagem completamente diferente da realizada pelos nobres europeus, como a Imperatriz Teresa Cristina, que contava com todo o conforto disponível na época.”


Cais do Valongo e a viagem

O Cais do Valongo foi instaurado naquela parte da cidade como uma medida para afastar, esconder e como “medida da segurança pública”. A verdade era que após espantar visitantes - como a inglesa Maria Graham que escreveu sobre o assunto em seu Diário de uma Viagem ao Brasil. No Valongo, "todo o tráfico de escravos surge com todos os seus horrores perante nossos olhos", reconheceu Maria. Antes os escravos desembarcavam na atual Praça 15, e eram negociados no Centro do Rio, sob a vista de todos os moradores e visitantes. Depois, decidiu-se que quanto mais longe dos escravos e de todo o comércio que envolvia esse tipo de comércio, melhor.
Os escravos aportavam no Brasil depois de dias de viagem em condições mais que precárias. Homens, mulheres e crianças – a grande maioria dos escravos que aportaram no Valongo eram crianças – ficavam amontoados em compartimentos minúsculos do navio. Não existia a menor preocupação com as condições dos negros, que passavam toda a viagem no escuro, com fome, sede e sem qualquer tipo de higiene. 
Doenças e mortes eram muito comuns, o que acabava sendo um próprio motor para a continuação do tráfico, já que nem todos conseguiam chegar ao destino vivos. Assim, mais viagens eram necessárias para suprir a demanda de trabalho escravo.

Eles eram visto como objetos e vendidos de acordo com seus atributos físicos. Todo esse negócio era feito ali na região da Gamboa, também chamada de Pequena África, onde aportavam a mão de obra que moveu o país durante tanto tempo.

Revitalização e tranquilidade no Morro da Conceição


Moradores relatam as delícias de morar numa das regiões mais pacatas do Rio

Por Marianna Jardim

O Morro da Conceição já não está mais alheio ao carioca como antes. Com as reformas feitas desde 2012, a Ladeira João Homem ganhou novos postes de luz que agora possuem fiação elétrica subterrânea. A calçada de paralelepípedo foi renovada, e continua dando a mesma sensação de se estar numa pequena vila mesmo com as novas calçadas estreitas que a cercam. A região já não é mais a mesma da época de João do Rio e Maria Graham, que ao flanarem pelas ruas observaram uma outra realidade.

A revitalização da área trouxe melhorias à infraestrutura da região sem tirar o charme de antigo bairro português do Morro da Conceição. É possível ainda apreciar tudo o que o local tem a oferecer, a começar pela própria história. Junto com os morros do Castelo, Santo Antonio e São Bento, o Morro da Conceição é um marco da ocupação original do Rio de Janeiro. Antes chamado de Morro do Valongo, a região foi imortalizada por João do Rio e Maria Graham em textos e crônicas, e por Jean-Baptiste Debret no quadro “Mercado da Rua do Valongo”. A obra representa uma cena cotidiana da época: escravos sentados em uma sala de venda, prontos para serem comprados por um senhorio.

Os moradores da região pouco têm a reclamar. Dona de um bar e de uma residência na Ladeira João Homem, Iraci Pinheiro dos Santos, de 65 anos, mora há 43 no Morro da Conceição. Segundo ela, o clima entre os moradores sempre foi de muita tranquilidade, sem grandes perturbações. Os habitantes possuem uma noção muito forte de comunidade, o que faz com que todos se conheçam. A presença de qualquer estranho é imediatamente notada, e em geral costumam ser amigos de vizinhos ou turistas.

- Eu me sinto muito segura aqui, é bem isolado da cidade e todo mundo se conhece  – admite dona Iraci, como é conhecida.

- O povo aqui é muito educado, as pessoas têm noção de comunidade, ninguém deixa sujeira na rua. As crianças respeitam os mais velhos – diz Sandra Moura, 60 anos, professora aposentada de matemática e moradora da Ladeira João Homem desde que nasceu.

– Aqui a qualidade de vida é ótima. Quer dizer, antes era melhor, vinha menos gente de fora.

Os “forenses”, no entanto, não são mal recebidos. É comum moradores abrirem suas casas ou puxarem conversa no meio da rua com os que percebem que não são dali. Mais um aspecto que torna o Morro da Conceição uma joia rara muito bem escondida.



O Morro da Conceição pelo olhar do visitante

O Morro da Conceição não foi sempre foi apreciado da mesma forma. Em sua passagem de 15 anos pelo Brasil, de 1816 a 1831, o pintor Jean Baptiste Debret retratou a realidade da época na região: negros sendo vendidos por ciganos. O quadro retrata a dureza das condições em que viviam esses escravos, expostos como mercadorias em uma vitrine.

Em “A alma encantadora das ruas”, livro que reúne as crônicas de João do Rio sobre a cidade, as ruas e suas transformações, não é rara a menção ao Morro da Conceição. O jornalista e escritor, que morreu em 1921, costumava fazer “panoramas literários” do que via em suas caminhadas pela cidade, relatando histórias e conversas das suas aventuras. Sobre a região, costumava referir-se a ela como lugar de “bando de capoeiras perigosos”.
Em seu livro, Maria Graham descreveu mercado de venda de escravos


O relato de Maria Graham, no entanto, é de um tom bastante humanista e impressionado. A escritora britânica conta da sua experiência no local em “Diário de uma viagem ao Brasil”. Escrito entre os anos 1821 e 1823, o livro demonstra a preocupação de Graham com o estado dos escravos. Ela os denomina “pobres criaturas”, e ao mesmo tempo reconhece que não são uma boa mão-de-obra. Suas impressões do Valongo, como era chamado, não remetem ao pequeno paraíso que hoje encontramos na Ladeira João Homem.