quinta-feira, 27 de junho de 2013

O “Red Light District” do Centro do Rio

Famosa zona de meretrício da cidade no século passado, a Praça Mauá muda seu perfil com as obras do projeto Porto Maravilha. Somente uma boate sobreviveu às crises que abalaram a região

Por Júlia Zaremba







“Praça Mauá/ Praça feia, mal falada/Mulheres na madrugada/Onde bobo não tem vez(…)Praça Mauá/O nome nos traz a mente/Um soluço, um beijo quente/E um lenço branco na mão”. A música, composta na década de 50 pelo poeta e compositor Billy Blanco, mostra uma perspectiva dessa tradicional zona de prostituição do Centro do Rio, cuja atividade fora alavancada principalmente devido à proximidade com o porto. Mais de 60 anos depois, apesar de uma drástica redução na quantidade de bordeis e do número de prostitutas nas ruas, a atividade ainda encontra seu espaço, embora a revitalização da Zona Portuária gere dúvidas em relação ao seu futuro.
Durante muito tempo, a única maneira de entrar no Brasil era através dos portos. Com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, no início do século 19, a Zona Portuária passou a ser considerada uma região nobre, desenvolvendo atividades comerciais ligadas ao turismo, incluindo a criação de bares e prostíbulos. Segundo o historiador Milton Teixeira, o porto do Rio foi o mais importante do país na época em que a cidade era a capital, por onde entravam mercadorias, novidades e pensamentos. Milton acredita inclusive que o temperamento caloroso característico do carioca teria a ver com a receptividade influenciada pelas atividades do porto.
Até 1960, quando o Rio de Janeiro perdeu o posto de capital do país para Brasília, a prostituição viveu seu período mais próspero nos arredores do porto, estimulada pelo grande fluxo de marinheiros e turistas que desembarcavam dos navios. Segundo Teixeira, a modificação não afetou apenas o cais do porto, mas toda a cidade. A partir daí, a região começou a degradar, influenciada também por outras questões.
Outro momento em que a prostituição esteve em alta foi no período em que a rodoviária era no Terminal Mariano Procópio, onde atualmente fica o Museu de Arte do Rio (MAR). Certa vez, um idoso que mora na região, em uma conversa com Milton, contou que o carioca sempre teve fama de bom amante, fazendo com que algumas mulheres que moravam no interior deixassem seus maridos e viessem para o Rio. “Elas iam para a Rua Acre encontrar com os cariocas, com a desculpa de que iriam fazer compras na cidade. Foi um escândalo quando filhos negros começaram a nascer em famílias de ricos. Quando a Rodoviária mudou de lugar, esses fluxos acabaram”, conta.
Teixeira conta que o ponto mais baixo da prostituição foi há cerca de 20 anos, quando a Praça Mauá entrou em declínio com a falta de turistas. “Em 1988, quando Brizola era o governador do Rio, a cidade faliu. Tinha muita violência, muitas mortes, e a polícia não fazia nada. Isso afetou o mercado do turismo brasileiro”, explica, ressaltando que no ano de 1991 somente 225 mil turistas vieram à cidade, mais ou menos um milhão de pessoas a menos do que nos anos anteriores. 


Uma das boates mais famosas da Praça Mauá é a Flórida, que existe desde 1928 e é atualmente a única que ainda funciona na área. Da década de 30 até 60, foi considerada o “point” da vida noturna do bairro, concorrendo com as extintas Subway e Cowboy. Em seu estudo sobre a presença de portugueses no porto do Rio, a pesquisadora Maria Manuela Alves Maia relembra a figura de Manuel da Silva Abreu, o Zica, famoso contrabandista da cidade do século passado. Ele teria sido o dono e fundador da boate Flórida, quando esta ficava em um prédio ao lado do seu atual endereço, Praça Mauá, número 9. No começo, o empresário não teria aceitado a presença de prostitutas no local, que funcionava apenas como bar e restaurante para marinheiros, mas acabou mudando de ideia com o tempo. Zica também é apontado como o principal inspirador de um dos personagens da “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque – o golpista Max Overseas. Porém, nos primeiros anos da ditadura militar, ele foi afastado do cargo de gerente, passando a função para um amigo.



Em 2004, a Flórida se transformou em termas, ou seja, com as mulheres vinculadas ao empresário da casa e concentrando todas as atividades profissionais no local. Segundo reportagem da revista “Beijo da Rua”, desde 2002 o mercado da prostituição na Zona Portuária vem enfrentando uma forte crise, motivando o fechamento de moteis, bares e boates. A última a fechar foi a Scandinavia, que ficava ao lado da Flórida e se transformou em um restaurante. A estudante Milena Fortes, moradora da Rua Sacadura Cabral, ressalta que não costuma ver prostitutas nas ruas como antes, somente nos bares que ficam nos arredores da Flórida, e muitas delas são mais velhas. “A questão da prostituição é um problema que deve ser enfrentado. A estética do lugar já foi melhorada, mas eles ainda precisam resolver esses problemas mais sociais, como a favelização, a prostituição e os pontos de tráfico de drogas. Como está tendo uma mudança na região e as termas não estão sobrevivendo às mudanças, talvez falte pouco pra isso acabar”, conta.
Milton Teixeira acredita que, com as obras do Porto Maravilha, o mercado de prostituição deve crescer na área. Já Milena acredita que o público da área vai mudar, em busca de outros tipos de atividades. “O foco da Praça Mauá está deixando de ser a prostituição porque a região está com uma nova cara. Estão investindo mais em arte, cultura. Aqui agora tem outro público, pessoas que vêm para ir ao MAR, por exemplo”.  


A prostituição no Brasil

Segundo Teixeira, uma das definições mais antigas da profissão no Brasil foi formulada pelo político Jerônimo Martiniano Figueira de Mello, no século 19, que considerava prostituta “toda mulher que faz mau uso do corpo em lugar público ou privado mediante paga”. “É uma definição seletiva, pois exclui os homens, mas ao mesmo tempo vasta, indo desde a dama que casa por interesse até a profissional em si”, fala o historiador. Ele também compara a prostituição no Brasil com a dos Estados Unidos, onde existe uma grande indústria de filmes eróticos – chegando a 500 produções Hollywoodianas por ano – e as prostitutas possuem sofisticadas páginas na internet que incluem até mesmo minuciosas listas de presentes que desejam ganhar. Para ele, Rita Cadillac e Gretchen se enquadrariam nesse padrão americano. Ele defende que o status das prostitutas brasileiras é diferente, e geralmente não fazem grandes fortunas.
Ao contrário da legislação americana, onde a prostituição é considerada uma atividade ilegal, no Brasil o sistema legal adotado desde 1942 é o abolicionista. Nele, a prostituta é encarada como uma vítima que só exerce a atividade por obrigação de um terceiro, o agenciador, que receberia parte dos lucros obtidos por ela. Neste caso, a prostituta não pode ser punida, apenas o dono da casa de prostituição. Além disso, desde 2002 a profissional do sexo é incluída na Classificação Brasileira de Ocupação(CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego, uma vitória para as entidades que apoiam a legitimidade da profissão. O estudante de publicidade e morador do Centro do Rio Raphael dos Santos não considera que a profissão seja um problema a ser enfrentado na região, e diz que é difícil medir as urgências do setor por ser uma atividade irregular e subjugada: “Acho que os direitos das prostitutas esbarram nos direitos humanos. Elas precisam de respeito assim como qualquer indivíduo em sociedade”.



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