sexta-feira, 28 de junho de 2013

Reforma urbana é objetivo do Porto Maravilha


   Projeto da Prefeitura do Rio busca a reestruturação da área portuária do Rio

 Juliana Muniz

A urbanização da cidade do Rio de Janeiro, no início do século XX, marcou a gestão do então prefeito, Pereira Passos. As reformas foram inspiradas na reforma urbana, ocorrida em Paris, a que ele assistiu quando residia na cidade em meados de 1860. As mudanças promovidas por Passos buscavam melhorias sanitárias e urbanísticas. Após esse período, conhecido como “Bota-abaixo”, o Rio se tornou uma cidade moderna, e ganhou o título de Cidade Maravilhosa. Entre as obras estão a Praça XV e a Avenida Central, atual Rio Branco.
Cem anos depois, o projeto Porto Maravilha transforma de novo a cidade. Trata-se de um programa bilionário de reurbanização da região portuária da cidade do Rio. O plano do governo tem como objetivo reconstruir essa zona, reestruturando vias públicas, rede de água e esgoto e museus. Busca-se qualificar o local, que vem sofrendo degradação desde os anos 1960. Ao todo, serão reurbanizadas uma área de cinco milhões de m². A previsão é que toda a região seja modificada até 2016.
A região portuária é composta pelos bairros da Gamboa, Saúde, Santo Cristo, Caju e Centro. Entre as reformas, está a recuperação do Jardim Suspenso do Valongo, que foi construído em 1906, durante as reformas de Pereira Passos. Na encosta do morro da Conceição, antigo morro do Valongo, o Jardim é outros símbolo do bairro da Saúde, assim como o Cais do Valongo, da Imperatriz e a Pedra do Sal.
Jardim do Valongo sendo restaurado. Foto O Globo

Uma das grandes obras desse projeto é a demolição do Elevado da Perimetral. Na época na qual foi construído, o elevado tinha como objetivo ligar as zonas Sul e Norte, e o Aeroporto Santos Dumont ao bairro do Caju. Hoje, a demolição dessa via causará um melhoramento do trânsito na região. O viaduto ajuda na degradação da área sendo que a sua remoção será essencial para o resgate do patrimônio da área portuária.
Para estimular a densidade populacional no município, que é a menor da cidade, a Prefeitura do Rio lançou um conjunto residencial na área do porto. Servidores municipais terão prioridade na compra dos 1.333 apartamentos, que estarão distribuídos em sete torres; cada uma com 35 andares. Os apartamentos serão usados para acomodar jornalistas e árbitros nas Olimpíadas de 2016.

Museu de Arte do Rio

Os programas Porto Maravilha Cidadão e Porto Maravilha Cultura irão complementar o processo de reurbanização da área. Um dos projetos já concretizado é o Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá. O museu é composto por dois prédios: o Palacete Dom João VI, que abriga as salas de exposição, e o antigo terminal rodoviário, que dá espaço à Escola do Olhar.

O Museu do Amanhã, que ficará em frente ao MAR, é projeto do arquiteto espanhol Santiago Calatrava. A sua inauguração está prevista para 2014.

Pedra do Sal: um lugar democrático


Frequentadores descrevem uma das rodas de sambas mais antigas do Rio
                                                                                                             
Por Larissa Kurka

Pela rua Argemiro Bulcão, no século XVIII e XIX, era comum ao final do dia se ver pelo chão sal espalhado. Hoje, o que se vê são pedaços de cascas de ovos coloridos e limão revelando que no dia anterior certamente houve no bairro da Gamboa, no Centro, o tradicional samba da Pedra do Sal regado a caipirinha e o famoso rosinha.
Reduto do samba a Pedra do Sal antes era local de reunião de estivadores que após ao trabalho se juntavam em volta dos sambistas para relaxar e cantar. Também foi responsável por revelar grandes talentos como Pixinguinha, Donga, Heitor dos Prazeres e João da Baiana.
O samba não morreu e atualmente tem seu encontro com os amantes do ritmo às segundas e sextas-feiras. Pelas paredes se vê a afirmação de uma história construída pelos negros e figuras tradicionais da nossa cultura como o chamado malandro. Há artes retratando Cartola e exaltando o samba no local. Assim como mulheres negras trajando roupas de baianas, fazendo referência as que ajudaram a propagar o cadomblé, como a tia Ciata.
Eles retratam não só outra época, mas também o presente com a contínua atividade de preservação de um dos ritmos responsável por uma das identidades brasileiras, o samba.
Curioso por ser um local que atrai pessoas de todas as classes sociais é considerado um espaço  democrático. Às sextas, é comum encontrar um engravatado por lá assim como pessoas que procuram um ambiente agradável para curtir um bom samba e uma cerveja gelada, como o ator Luiz Fernando Pinto descreve.
—  Pelo menos uma vez ao mês, eu venho à Pedra do Sal. Até porque trabalho perto e o lugar é superdemocrático. Não é lugar de classe, frequenta todo mundo.
O local, que fica aos pés do Morro da Conceição, também reúne os moradores que, apesar do barulho, dizem gostar do que veem na porta de casa. Este é o caso do metalúrgico Jorge Santos, 50 anos, que mora no prédio 37, em frente à Pedra do Sal.
  Gosto do samba. Quando vim morar aqui, a roda  já existia. Então já sabia do barulho. Mas os moradores gostam de participar e interagir com pessoas de todos os lugares do Rio.
Ele conta que a prefeitura realiza o serviço de limpeza normalmente e que os que moram no local não têm do que reclamar neste sentido.
Sambistas na Pedra do Sal. Foto: Riotur

A enfermeira Ludmila Stefe diz que o diferencial da Pedra do Sal é a presença de sambistas de outrora, do chamado samba de raiz.
—  Gosto de lá por tocar samba antigo de compositores como Cartola e Candeia. Além disso, é frequentado por moradores antigos, que viveram esta época e muita gente que pesquisa o samba. É um local onde se pode reconhecer a nossa história.
Mas Ludmila e seu amigo Luiz Paulo Neto, estudante de história, dizem que apesar do lugar ser um dos poucos que costumam tocar o estilo no Rio,  isso vem se perdendo nas noites de sexta-feira. Muitas pessoas pedem sambas mais modernos, como os de Zeca Pagodinho, fugindo um pouco dos cantores tradicionais.
— Essa geração nova não quer ouvir Clementina de Jesus. A galera pede coisas mais novas e aí vai morrendo a tradição.
Para quem não sabe, Clementina foi uma cantora de samba que começou sua carreira aos 62 anos. A idade avançada da empregada doméstica não foi nenhum empecilho para o sucesso. O interessante foi que,  além de cantar partido alto, Clementina recuperou antigas canções africanas que estavam se perdendo, tais como o jongo e os cantos de trabalho.
Outro ponto que incomoda Ludmila e Luiz Paulo é que a quantidade de gente na Pedra do Sal. Como o espaço é pequeno fica difícil se movimentar. É a opinião que também compartilha o morador Jorge Santos.

Apesar disso, eles reconhecem que o local ainda preserva a sua essência às segundas-feiras. É um dos poucos lugares onde ainda se pode encontrar o samba de raiz. 

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Passado histórico enterrado sob pedras


Cais do Valongo e Cais da Imperatriz são revelados na Zona Portuária

Amanda Sorato

            Escondidos por mais de 160 anos sob alguns metros de pedra, o Cais do Valongo e o Cais da Imperatriz foram revelados. Essas relíquias da época do Império estiveram por anos escondidas e após insistência dos arqueólogos que buscavam trazer à tona estes locais tão importantes para história do nosso país, foi permitida a escavação, com a monitoração da prefeitura.
            Ambos os Cais se localizam no Centro da Cidade, mais precisamente na área que está em obras graças ao projeto denominado Porto Maravilha, que busca a revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Sempre se soube que ali ficava o Cais da Imperatriz graças a um totem que representa a coroa portuguesa. Mas, ao começarem a escavar, os arqueólogos também encontraram o Cais do Valongo, 60 centímetros abaixo do Cais da Imperatriz.
Os dois tipos de cais: o dos escravos e o da Imperatriz. Fotos Amanda Sorato

            Localizada entre as ruas Coelho e Castro e Sacadura Cabral, a região do Valongo era o grande centro de comércio de escravos do Rio de Janeiro. O Cais do Valongo funcionou de 1811 até 1831 e foi responsável pela entrada de mais de meio milhão de escravos no Rio de Janeiro. A região contava também com os armazéns de vendas e engorda de escravos, um local chamado Larazeto, onde os escravos doentes iam para se curar e várias lojas que vendiam material de tortura para castigar os negros.  No Cemitério dos Pretos Novos, perto dali, os escravos eram enterrados à flor da terra. Ao ser descoberto dentro de uma casa particular, o cemitério virou um instituto, o IPN,  e atualmente está aberto para visitação.
            O cais foi construído pela Intendência Geral da Polícia da Corte da Cidade do Rio de Janeiro, por determinação do Vice-Rei, o Marquês do Lavradio. Antes do Cais existir, os escravos desembarcavam pela Rua Direita, atual Rua Primeiro de Março. Mas o Marquês acreditava que escravos não deveriam desembarcar por uma das principais ruas da cidade sob os olhares dos estrangeiros, que ficavam chocados com a cena de homens e mulheres sendo vendidos em praça pública.
            Em 1843, a região passa por uma grande transformação. Com a proibição do tráfico de escravos, o cais é aterrado e reformado em um projeto do arquiteto francês Grandjean de Montigny – que estava exilado no Brasil depois da queda de Napoleão. O projeto tinha como objetivo esconder as ligações do Brasil com a escravidão. A obra também se deu para receber a Imperatriz Teresa Cristina, que iria se casar com Dom Pedro II. Além do Cais, a região do Valongo muda de nome e passa a se chamar de Rua da Imperatriz. Para a nobre, foi feito um piso alinhado, mas para os escravos, servia a irregularidade das pedras.
            Para o professor de história da PUC-Rio Rômulo Matos, atualmente, o cais recupera o passado africano no Rio de Janeiro que foi soterrado com a construção do Cais da Imperatriz. “A importância é de se recuperar um passado que estava enterrado e com ele tudo que há no seu entorno. O lugar de desembarque não está sozinho, tem todo um centro de memória africana ao seu redor.”
            Após anos de esquecimento, a região está agora aberta para visitação, com placas sinalizando o lugar e explicando a sua importância histórica. Para o empresário Erick Rangel, conhecer um lugar com tamanha importância é uma experiência enriquecedora. “Poder visitar o antigo Cais do Valongo e ver, mesmo que em um espaço pequeno, como o Rio foi um dia e comparar com hoje é um exercício incrível. É muito bom poder ter um lugar na nossa cidade que exalte a cultura africana.”

            O Cais do Valongo faz parte do Circuito Histórico e Arqueológico de Celebração da Herança Africana. Além dele, o Instituto Pretos Novos, a Pedra do Sal, o Jardim do Valongo e o Largo do Depósito fazem parte do roteiro estipulado pela prefeitura para visitação de marcos históricos da memória da África na cidade.
Piso alinhado e não-alinhado: diferentes destinações

O que é que o samba tem

Ritmo típico brasileiro tem suas origens no continente africano
Georgia Gomide

Foi no estado da Bahia no século 19 que a mistura de ritmos feita pelos escravos deu origem ao samba. Porém, foi com a chegada dos negros no Rio de Janeiro que o estilo musical começou a se desenvolver. A história do samba começa na Pedra do Sal, quando um grupo de baianos recém-chegados se instalam próximo ao Cais do Porto no bairro da Saúde. Lá, o preço da moradia era mais em conta para os homens que trabalhavam como estivadores.
Atualmente, o samba é um dos principais símbolos da cultura brasileira. Reconhecido ao redor do mundo e tombado pela Unesco como patrimônio da humanidade, a realidade do estilo musical nem sempre foi assim. Como o samba era ligado à cultura negra, tinha uma imagem pejorativa na sociedade. Quem fosse visto batucando ou cantando o ritmo era perseguido e poderia acabar sendo preso. Foi a partir do início dos anos 40 que o samba passou a ser valorizado. O presidente Getúlio Vargas contribuiu para que o ritmo fosse visto como símbolo nacional.

A origem do nome samba possui diversas hipóteses. Alguns registros históricos afirmam que o termo originou da palavra árabe “zamba” que teria surgido após a invasão moura à Península Ibérica no século VIII. Outra hipótese diz que o termo sugira de um idioma africano, o quimbundo. Segundo esta versão, "sam" significa "dar", e "ba". Ainda há uma versão que diz que a palavra samba vem de outra palavra africana, semba, que significa umbigada.
“No Brasil, acredita-se que o termo "samba" foi uma corruptela de umbigada, palavra de origem africana - possivelmente oriunda de Angola ou Congo, de onde vieram a maior parte dos escravos para o Brasil”, afirma a historiadora Vera Pescarini.
            Independente da versão correta, o samba continua encantando. Todas as segundas-feiras, o local do nascimento desse ritmo tipicamente brasileiro é homenageado com uma roda de samba. A partir das 18 horas,  a Pedra do Sal vira ponto de encontro dos amantes do samba. “Aqui vem gente de todos os tipos, trabalhadores da região, gringo e a playboyzada da Zona Sul”, declara com satisfação Douglas Nunes, um vendedor ambulante.   

         
O lundu, no século XVIII era caracterizado pela umbiguada. Rugendas

De fato o espaço onde acontece a roda é bastante democrático. Além de atrair pessoas de todos os tipos, qualquer músico pode levar seu instrumento e começar a tocar. É muito comum também o público se juntar aos músicos para cantar suas próprias composições. Tudo na base do improviso e do som acústico. A aglomeração de pessoas cantando o principal ritmo brasileiro atrai inúmeros vendedores ambulantes que instalam suas barracas para vender petiscos. Mas como o evento ocorre às segundas-feiras, o programa não costuma se estender além das 23 horas. E para os amantes do samba não tem tempo ruim. Caso chova, o programa continua de pé já que a organização instala um toldo.

A herança de Passos no Rio de Janeiro de Paes


Em meio a grandes transformações na cidade, imagem de Eduardo Paes é vinculada a de um dos maiores reformistas da história do Brasil
Por Nathalia Bordeaux



Com os importantes eventos que o Rio de Janeiro irá receber entre 2014 e 2016, como Copa do Mundo, Jornada Mundial da Juventude e Olimpíadas, muitas reformas urbanísticas começaram a ser promovidas na cidade. Longe de ser a primeira grande transformação pela qual o Rio passou, os investimentos urbanos promovidos pelo prefeito Eduardo Paes têm aproximado sua imagem da de um antigo líder municipal, Pereira Passos. As reformas de Passos, que ficaram popularmente conhecidas como Bota-abaixo, mudaram completamente o Rio do século XX e visaram ao saneamento, ao urbanismo e ao embelezamento da cidade.
Eduardo Paes e ator que representou Pereira Passoa na inauguração do Jardim do Valongo. Foto: Marcos Tristão (O Globo - Julho de 2012).

As transformações urbanas lideradas pelo ex-prefeito Passos foram um marco na ação reformadora do Rio de Janeiro e deixou legados que ecoam até os projetos urbanísticos atuais. Um dos exemplos de projeto do governo Paes é a Operação Urbana Porto Maravilha, que prevê a revitalização da região portuária do Rio de Janeiro, com o objetivo de trazer melhorias na qualidade de vida dos moradores, além de sustentabilidade ambiental e socioeconômica para a área. A segunda fase das obras dessa operação, que teve início no segundo semestre de 2012 e só deve ficar pronta em 2016, vai ter um investimento de cerca de R$ 8 bilhões – captados através das parcerias público-privadas – e inclui ações como a demolição de parte do elevado da Perimetral, a construção de 4 km de túneis e reurbanização de 70 km de vias.
Para mudarem de maneira tão expressiva o cenário urbano da cidade, no entanto, as reformas tanto de Passos quanto de Paes tiveram um alto custo social. De acordo com o professor de História da PUC-Rio Daniel Pinha, os dois governantes se aproximam pelo descaso com a população, principalmente a mais pobre, quando se trata da remoção de habitações. Segundo o professor, os cidadãos, desprovidos do direito a moradia digna, são empurrados de suas casas pela especulação imobiliária e pela ação do poder público para lugares aos quais não tiveram poder de decisão.
– As comparações entre Paes e Passos são válidas quando entendemos dois projetos de modernização para a cidade que, em momentos distintos, não levam em conta os interesses dos cidadãos e sua relação com o espaço em que habitam - como quando adotam, por exemplo, as remoções de habitações como parte decisiva das reformas. Além disso, ambos utilizam uma retórica moderna que propaga por toda a cidade uma expectativa de progresso, mas que contempla apenas o interesse de poucos, ou seja, dos investidores, especialmente os do setor imobiliário e de construção civil – explicou Pinha.

O atual prefeito, por outro lado, parece gostar bastante das comparações com seu colega do século anterior. Quando foi inaugurar a primeira fase das obras da Zona Portuária, em julho do ano passado, Eduardo Paes por pouco não foi fantasiado de ex-prefeito Pereira Passos. Após ser aconselhado por assessores, acabou desistindo na última hora de usar as roupas simbólicas de época. A tarefa de representar Passos na cerimônia ficou por conta de um ator, que pousou para fotos ao lado de Paes. 

Viagem ao passado Os encantos do Morro da Conceição

Ruas estreitas do Morro ocultam parte da memória histórica do Rio. Lugar ainda é pouco conhecido pelos brasileiros.

Gabriella Fiszman P. Barreira


Escondido pelos altos edifícios no Centro da Cidade e longe da agitação caótica do Rio de Janeiro, o Morro da Conceição é desconhecido pela maioria dos cariocas. Com uma tranquilidade inimaginável e um ar típico de cidade do interior, o lugar parece ter parado no tempo.  
Próximo a Avenida Presidente Vargas e a poucos metros da Praça Mauá, o Morro está localizado no bairro Saúde. Depois de dobrar à esquerda na Travessa do Lineu, são apenas dois lances de escada que dividem o burburinho da cidade da calmaria que existe ladeira acima.


Foto Gabriela Fiszman

Foto divulgação

Foto divulgação

Foto divulgação

Roteiro a pé
Casas geminadas, fachadas coloridas e construções tipicamente portuguesas do século XIX fazem parte da paisagem. Uma das opções é começar o passeio a partir da Ladeira João Homem. A subida é íngreme no começo, mas o exercício vale a pena. Ao final da caminhada, logo se vê no alto a estátua de Nossa Senhora da Conceição, padroeira do local.
Em frente, é possível observar a Fortaleza da Conceição, cuja obra foi iniciada em 1711, logo após a segunda invasão dos franceses no Rio de Janeiro. A arquitetura foi concluída em 1718, sendo parte do plano de defesa da cidade.
Próximo ao forte, na Rua Major Daemon, está o Museu Cartográfico do Exército, que conta com acervo de bússolas, lunetas e instrumentos necessários para a produção dos mapas. O museu fica no antigo palácio Episcopal, que foi residência de bispos há três séculos.
A próxima parada é na Rua Jogo da Bola. O nome curioso, que se mantém desde o período colonial, tem origem em um esporte chamado bocha, parecido com o boliche, que era praticado no lugar. Nesta rua, uma das principais e mais movimentadas do morro, fica o Bar do Sérgio. Famoso entre os locais e turistas da região, o boteco é ideal para os que desejam uma cerveja gelada e barata em um lugar agradável.
Com um clima vintage, o botequim é decorado com poucas mesas de madeira, azulejos azuis e brancos na parede, um balcão de mármore rosado e prateleiras abarrotadas de mercadorias, que vão desde biscoitos até artigos de limpeza. Aberto desde a década de 70, o bar ainda preserva os hábitos dos donos espanhóis, nos dias de semana, o local fecha durante à tarde para a sesta.
Outro ponto importante do Morro da Conceição é a Pedra do Sal, que ganhou este nome porque era onde descarregavam o produto que vinha das embarcações da Europa. Grandes nomes da música brasileira, como Pixinguinha, frequentaram o local, que ainda hoje recebe rodas de samba e outros eventos culturais.

Não há como negar que o lugar, atípico no Rio de Janeiro, tem um estilo bastante peculiar. Os moradores se reúnem à tarde, sentados em cadeiras nas calçadas para conversar com os que passam pela rua e cumprimentar os curiosos que observam das janelas. A maioria parece apreciar o modo de vida que leva no morro. É o caso de Álvaro Duarte Rodrigues, de 63 anos, que nasceu no Morro da Conceição e vive nele até hoje. “Meus pais eram portugueses. Criei meus dois filhos nesse lugar e é aqui que quero ficar até morrer”, afirma.   

Memória e tradição: Uma província no caos urbano

O Morro da Conceição é um dos pontos de fundação da cidade, junto com outros quatro morros da região, e é conhecido pela tranquilidade e clima de cidade do interior

Paulo Henrique Rosa



No sábado, 9 de junho de 2013, um grupo de universitários se reúne para descobrir as belezas e as histórias de um antigo morro do Rio, o da Conceição. Às 11h, tudo fechado. Nem farmácia, nem padaria. Eles param para pedir informação e começam a subir. As casas fechadas, ninguém nas ruas. Vão para outro ponto e tiram fotos, leem cartazes. Uma moradora aparece carregando bolsas de compra. Duas das meninas vão conversar com ela. O tempo é curto e eles voltam pra rua. Uma outra senhora aparece e para perto do grupo.
- Você é o guia? - pergunta para um dos meninos
- Não - ele responde
- Olha, hoje perigoso andar por aqui. Logo vi que vocês não eram daqui. Mataram um traficante e mandaram fechar tudo aqui nessa região. Estou indo trabalhar e não sei se pode acontecer alguma coisa comigo. Estou com medo. Melhor vocês irem embora –  aconselha a moradora, sem se identificar.
Casas e comércio fechado no dia 8 de junho. Fotos: Ana Carolina Cardos




O  morro só tem dois acessos principais 


Dia atípico

Inicialmente ocupado por portugueses, o Morro da Conceição é como uma cidadezinha do interior no Centro do Rio. Clima bucólico, vizinhos conversando na calçada, crianças brincando até tarde na rua. Mas aquele sábado foi atípico. Douglas de Oliveira Tássia dos Santos, o DG, foi morto na madrugada do dia 8 de junho, em confronto com a polícia no Morro da Providência, Zona Portuária do Rio, perto dali. O tráfico mandou fechar o comércio como forma de luto. Foi um dia de medo para os moradores da região.

- Aqui é um lugar tranquilo, uma província. Todo mundo se conhece - diz Cláudio Aun, artista plástico que chegou ao Morro em 1980. Lá criou seu ateliê. Para ele, esse dia foi diferente do normal.

Teresa Speridião, também artista plástica, concorda com Cláudio. Para ela, um dos poucos problemas do morro são as obras.

- Aqui é um bairro bastante tranquilo, convivo muito bem com a vizinhança. As crianças brincam nas portas de suas casas, na pracinha. Mas ultimamente os guardadores de carros da Rua do Acre estacionam os carros aqui e sobem em alta velocidade. O ruim é a intervenção das reformas - refletiu.

As intervenções citadas por Teresa fazem parte do projeto Porto Maravilha, que está revitalizando toda a região do Morro da Conceição. Até 2016, a área que ficou esquecida por anos voltará à vida com museus, centros culturais e reativação de espaços como o Jardim e o Cais do Valongo.

O Morro da Conceição fazia parte do quadrilátero em volta do qual a cidade cresceu. Ele era formado pelos morros de São Bento, do Castelo e de Santo Antônio. A herança portuguesa permanece forte, principalmente na arquitetura. Só existem dois acessos para chegar nele, que faz o morro ser escondido. Porém, com o projeto de revitalização o local ficará cada vez mais em evidência. Para Cláudio, que tem um ateliê no morro, o turismo traz benefícios e não acaba com o clima calmo do lugar.

- Têm tido muita visitação desde o início das obras. Mesmo assim eu continuo com minhas janelas e minhas portas abertas o tempo inteiro. Não esquento a minha moringa - conclui.

            

As fábricas na Zona Portuária do Rio

A industrialização na cidade do Rio e o papel de destaque do Moinho Fluminense
Thaís Gontijo Bisinoto
A Zona Portuária do Rio de Janeiro teve importância econômica, política e até cultural, já que, até o início do século XVIII, a cidade se restringia praticamente à área central. Formado pelos bairros da Gamboa, Saúde e Santo Cristo, o porto ganha ainda mais importância histórica, considerando que os escravos eram comercializados ali, na antiga Rua do Valongo e, hoje, Rua Camerino.
Como não poderia ser diferente, o processo de industrialização do Rio de Janeiro teve início nos arredores dessa região, com a fundação pelo Barão de Mauá daquele que viria a ser o principal empreendimento industrial do país – ainda que por um curto período de tempo ­–, o Estabelecimento de Fundição e Companhia Estaleiro da Ponta da Areia. Em quatro anos, ele teve seu rendimento quadruplicado e empregava mais de mil funcionários, algo extraordinário para a época.




A importância do Moinho Fluminense
Nas décadas seguintes, outros empreendimentos foram surgindo, em sua maioria de produção de bens não-duráveis e semiduráveis, como artigos de higiene, alimentícios e de vestuário. Em 1883, foi fundado o Moinho Fluminense, uma das mais significativas construções industriais do Rio de Janeiro, que começou a funcionar em 1887, com o alvará de funcionamento assinado pela princesa Isabel.
A instalação do Moinho é de grande importância para a história do pão no Brasil onde, até metade do século XIX, não se conhecia o trigo. O pão de trigo, como o conhecemos hoje, chegou ao país junto com os portugueses, no século XIX, e ganhou espaço na alimentação dos brasileiros com a imigração italiana.
Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Moinho leva consigo grande importância histórica, devido aos acontecimentos que ali aconteceram. Por exemplo, com a eclosão da Revolta Armada de 1893, Rui Barbosa – então Ministro da Fazenda ­– foi buscar refúgio dentro do empreendimento, com ajuda de seu amigo Carlos Gianelli, proprietário do Moinho à época. Quatro anos depois, soldados que vinham da Guerra de Canudos se alojaram perto do Ministério do Exército, que ficava no Morro da Providência, próximo às instalações.
O arquiteto contratado para o projeto do Moinho foi Antônio Januzzi, também responsável pelo Palácio Pedro Ernesto (Câmara dos Vereadores) e o Obelisco da Avenida Rio Branco. A construção foi feita com tijolos ligados por uma mistura de barro e óleo de baleia, para evitar seu desmoronamento devido à trepidação das máquinas de moagem. O passadiço que une os dois pavilhões laterais recebem destaque na construção.

A unidade foi adquirida pela Fundação Bunge – empresa de origem holandesa – em 1914, como parte da expansão da empresa no país, que já atuava no Moinho Santista. Hoje, localizada na Rua Sacadura Cabral na altura do número 305, entre a Rua do Livramento e a Rua da Gamboa, o parque industrial continua industrializando trigo.


O “Red Light District” do Centro do Rio

Famosa zona de meretrício da cidade no século passado, a Praça Mauá muda seu perfil com as obras do projeto Porto Maravilha. Somente uma boate sobreviveu às crises que abalaram a região

Por Júlia Zaremba







“Praça Mauá/ Praça feia, mal falada/Mulheres na madrugada/Onde bobo não tem vez(…)Praça Mauá/O nome nos traz a mente/Um soluço, um beijo quente/E um lenço branco na mão”. A música, composta na década de 50 pelo poeta e compositor Billy Blanco, mostra uma perspectiva dessa tradicional zona de prostituição do Centro do Rio, cuja atividade fora alavancada principalmente devido à proximidade com o porto. Mais de 60 anos depois, apesar de uma drástica redução na quantidade de bordeis e do número de prostitutas nas ruas, a atividade ainda encontra seu espaço, embora a revitalização da Zona Portuária gere dúvidas em relação ao seu futuro.
Durante muito tempo, a única maneira de entrar no Brasil era através dos portos. Com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, no início do século 19, a Zona Portuária passou a ser considerada uma região nobre, desenvolvendo atividades comerciais ligadas ao turismo, incluindo a criação de bares e prostíbulos. Segundo o historiador Milton Teixeira, o porto do Rio foi o mais importante do país na época em que a cidade era a capital, por onde entravam mercadorias, novidades e pensamentos. Milton acredita inclusive que o temperamento caloroso característico do carioca teria a ver com a receptividade influenciada pelas atividades do porto.
Até 1960, quando o Rio de Janeiro perdeu o posto de capital do país para Brasília, a prostituição viveu seu período mais próspero nos arredores do porto, estimulada pelo grande fluxo de marinheiros e turistas que desembarcavam dos navios. Segundo Teixeira, a modificação não afetou apenas o cais do porto, mas toda a cidade. A partir daí, a região começou a degradar, influenciada também por outras questões.
Outro momento em que a prostituição esteve em alta foi no período em que a rodoviária era no Terminal Mariano Procópio, onde atualmente fica o Museu de Arte do Rio (MAR). Certa vez, um idoso que mora na região, em uma conversa com Milton, contou que o carioca sempre teve fama de bom amante, fazendo com que algumas mulheres que moravam no interior deixassem seus maridos e viessem para o Rio. “Elas iam para a Rua Acre encontrar com os cariocas, com a desculpa de que iriam fazer compras na cidade. Foi um escândalo quando filhos negros começaram a nascer em famílias de ricos. Quando a Rodoviária mudou de lugar, esses fluxos acabaram”, conta.
Teixeira conta que o ponto mais baixo da prostituição foi há cerca de 20 anos, quando a Praça Mauá entrou em declínio com a falta de turistas. “Em 1988, quando Brizola era o governador do Rio, a cidade faliu. Tinha muita violência, muitas mortes, e a polícia não fazia nada. Isso afetou o mercado do turismo brasileiro”, explica, ressaltando que no ano de 1991 somente 225 mil turistas vieram à cidade, mais ou menos um milhão de pessoas a menos do que nos anos anteriores. 


Uma das boates mais famosas da Praça Mauá é a Flórida, que existe desde 1928 e é atualmente a única que ainda funciona na área. Da década de 30 até 60, foi considerada o “point” da vida noturna do bairro, concorrendo com as extintas Subway e Cowboy. Em seu estudo sobre a presença de portugueses no porto do Rio, a pesquisadora Maria Manuela Alves Maia relembra a figura de Manuel da Silva Abreu, o Zica, famoso contrabandista da cidade do século passado. Ele teria sido o dono e fundador da boate Flórida, quando esta ficava em um prédio ao lado do seu atual endereço, Praça Mauá, número 9. No começo, o empresário não teria aceitado a presença de prostitutas no local, que funcionava apenas como bar e restaurante para marinheiros, mas acabou mudando de ideia com o tempo. Zica também é apontado como o principal inspirador de um dos personagens da “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque – o golpista Max Overseas. Porém, nos primeiros anos da ditadura militar, ele foi afastado do cargo de gerente, passando a função para um amigo.



Em 2004, a Flórida se transformou em termas, ou seja, com as mulheres vinculadas ao empresário da casa e concentrando todas as atividades profissionais no local. Segundo reportagem da revista “Beijo da Rua”, desde 2002 o mercado da prostituição na Zona Portuária vem enfrentando uma forte crise, motivando o fechamento de moteis, bares e boates. A última a fechar foi a Scandinavia, que ficava ao lado da Flórida e se transformou em um restaurante. A estudante Milena Fortes, moradora da Rua Sacadura Cabral, ressalta que não costuma ver prostitutas nas ruas como antes, somente nos bares que ficam nos arredores da Flórida, e muitas delas são mais velhas. “A questão da prostituição é um problema que deve ser enfrentado. A estética do lugar já foi melhorada, mas eles ainda precisam resolver esses problemas mais sociais, como a favelização, a prostituição e os pontos de tráfico de drogas. Como está tendo uma mudança na região e as termas não estão sobrevivendo às mudanças, talvez falte pouco pra isso acabar”, conta.
Milton Teixeira acredita que, com as obras do Porto Maravilha, o mercado de prostituição deve crescer na área. Já Milena acredita que o público da área vai mudar, em busca de outros tipos de atividades. “O foco da Praça Mauá está deixando de ser a prostituição porque a região está com uma nova cara. Estão investindo mais em arte, cultura. Aqui agora tem outro público, pessoas que vêm para ir ao MAR, por exemplo”.  


A prostituição no Brasil

Segundo Teixeira, uma das definições mais antigas da profissão no Brasil foi formulada pelo político Jerônimo Martiniano Figueira de Mello, no século 19, que considerava prostituta “toda mulher que faz mau uso do corpo em lugar público ou privado mediante paga”. “É uma definição seletiva, pois exclui os homens, mas ao mesmo tempo vasta, indo desde a dama que casa por interesse até a profissional em si”, fala o historiador. Ele também compara a prostituição no Brasil com a dos Estados Unidos, onde existe uma grande indústria de filmes eróticos – chegando a 500 produções Hollywoodianas por ano – e as prostitutas possuem sofisticadas páginas na internet que incluem até mesmo minuciosas listas de presentes que desejam ganhar. Para ele, Rita Cadillac e Gretchen se enquadrariam nesse padrão americano. Ele defende que o status das prostitutas brasileiras é diferente, e geralmente não fazem grandes fortunas.
Ao contrário da legislação americana, onde a prostituição é considerada uma atividade ilegal, no Brasil o sistema legal adotado desde 1942 é o abolicionista. Nele, a prostituta é encarada como uma vítima que só exerce a atividade por obrigação de um terceiro, o agenciador, que receberia parte dos lucros obtidos por ela. Neste caso, a prostituta não pode ser punida, apenas o dono da casa de prostituição. Além disso, desde 2002 a profissional do sexo é incluída na Classificação Brasileira de Ocupação(CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego, uma vitória para as entidades que apoiam a legitimidade da profissão. O estudante de publicidade e morador do Centro do Rio Raphael dos Santos não considera que a profissão seja um problema a ser enfrentado na região, e diz que é difícil medir as urgências do setor por ser uma atividade irregular e subjugada: “Acho que os direitos das prostitutas esbarram nos direitos humanos. Elas precisam de respeito assim como qualquer indivíduo em sociedade”.



Traços do Rio antigo preservados no Morro da Conceição

A arquitetura do período colonial, com influência portuguesa, conta a história da cidade e é elemento para o sucesso de negócios

Por Juliana Albuquerque

  Casas em rua no Morro da Conceição. Foto de Maria Adelaide Silva  


          Um Rio de Janeiro antigo, distante dos espaços urbanos contemporâneos. Assim é o Morro da Conceição, localizado no bairro da Saúde, nos entornos da Zona Portuária, no Centro do Rio. A arquitetura antiga, que lembra o tradicional bairro Alfama, em Portugal, e remonta à ocupação da cidade no período colonial, apresenta características das construções portuguesas e deixa qualquer visitante com um ar de saudosismo – até mesmo do que a maioria dos que passam por ali hoje não conheceu.
   
          E é esse ar de tranquilidade, de uma suspensão da correria e modernidade presentes no Rio, que acendeu os holofotes para o Morro, colocando esse lugar escondido da cidade na moda. A calmaria do lugar tem atraído artistas plásticos, turistas, interessados no aspecto histórico da cidade e até empreendimentos. O Bar & Galeria Imaculada, localizado em uma das subidas do Morro da Conceição, na Ladeira João do Homem, é exemplo desse interesse. Criado pelo artista plástico Marcelo Frazão, o bar é uma mistura de atendimento informal, higiene e bebidas muito geladas para reunir os amigos.

          O bar-galeria tem a peculiaridade de manter o mesmo estilo arquitetônico presente no morro e aposta nessa característica para o sucesso do negócio. De acordo com o gerente da casa, Ângelo Cauã, o respeito ao ambiente, com seus conceitos históricos e arquitetônicos, o uso de trilha sonora e o conteúdo oferecidos são essenciais e comprovam a intenção de construir um lugar para estar com os amigos.

          - Não faria o menor sentido se ali promovêssemos alterações radicais. O local respira Cidade Maravilha, tem a atmosfera do genuíno espírito do carioca. E esse estilo é irremediavelmente nostálgico. Quanto à dinâmica que se implantou, (...) a estrutura já estava toda lá. O bar sofreu poucas modificações visuais e, em momento algum, nós quisemos desfazer o conceito que nasceu com a casa.



Fachada de casas na subida da Ladeira João do Homem. Foto de  Juliana Albuquerque 



Fachada do Bar & Galeria Imaculada.   Foto de Juliana Albuquerque






Espaço de memória da cidade

          Para a estudante de arquitetura Vitoria Ribeiro, a manutenção arquitetônica de espaços tradicionais da cidade é fundamental para preservar e revelar a identidade do Rio.

          - Como na Arquitetura é comum o uso da antiguidade como base para trazer o contemporâneo para a construção dos espaços, essa preservação é muito significativa, em especial, quando é possível unir o passado ao contemporâneo. Em geral, usamos um conceito histórico para criarmos.
Para a estudante, o Bar & Galeria Imaculada representa este movimento da Arquitetura, de reunião do histórico com o contemporâneo. Além disso, segundo Vitoria, o legado deixado pelo patrimônio do Morro da Conceição ajuda a entender a o passado da cidade.

          De acordo com o artigo “Morro da Conceição, patrimônio histórico”, da arquiteta Nina Rabha, o Morro acabou por se firmar como memória da origem portuguesa no Rio, marcado por um bairro alto, com construções antigas, casas baixas, coladas umas nas outras, com o convívio na rua e sem elementos destacados.

          Desde 2009, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Rio de Janeiro (Iphan/RJ) vem desenvolvendo o “Projeto Conceição”, visando à restauração do patrimônio arquitetônico do bairro.
Atualmente, O Ministério da Cultura, com apoio do banco Bradesco, promove o Art Rio, que permite o contato com as artes visuais da cidade. Para conhecer o Morro da Conceição, o projeto oferece o Circuito Prefeitura/Morro da Conceição.



A favor da preservação do samba

A placa, instalada pela Secretaria Estadual de Cultura, exibe um breve resumo da história da Pedra do Sal aos visitantes.  Foto: Melyssa Bersan


Com o propósito de manter a herança cultural do lugar, a roda de samba da Pedra do Sal atrai cariocas e turistas para a Zona Portuária do Rio
Melyssa Bersan

           


            A Pedra do Sal, localizada no bairro da Saúde, liga o Morro da Conceição à Zona Portuária do Rio de Janeiro e é parte significativa da tradição afro-brasileira. Nos séculos XVI e XVII, a pedra servia de lugar de desembarque do sal trazido por embarcações. Os escravos, responsáveis por levar o produto morro acima, para facilitar o trabalho, esculpiram a escadaria ainda presente na rocha. A partir do século XIX, a região passou a receber negros vindos da Bahia, que, além de trabalho, encontraram ali um espaço onde podiam celebrar seus hábitos religiosos e culturais, como rodas de capoeira e batucadas. Há quem diga que, em função desse histórico, a ladeira pode ser considerada o verdadeiro berço do samba. 






Entalhada por escravos, a escadaria agora fica cheia de frequentadores da tradicional roda de samba Foto: Melyssa Bersan
            Antigo ponto de encontro de grandes sambistas, como Donga, Pixinguinha, João da Baiana e Sinhô, a Pedra do Sal ainda recebe, toda segunda e sexta-feira, a partir das 19h, cerca de duzentas pessoas que estão em busca de uma roda recheada de clássicos do gênero musical. Enquanto, nas segundas, eles encontram a mais tradicional roda de samba da Pedra do Sal, nas sextas, os visitantes aproveitam um programa com caráter de puro entretenimento.
De acordo com um dos organizadores do evento do início da semana, Walmir Pimentel, a roda tem como lema "Preservar, resistir e resgatar", para que assim, possam tentar fazer com que a memória do samba e da cultura popular não desapareça com o tempo. Para ele, é preciso romper com a lógica de que eventos gratuitos, que têm como palco os espaços públicos, não podem ser de alta qualidade.
            - Fazemos cultura em um espaço do povo brasileiro, de origem africana, sobre o maior mercado de escravos que o mundo já viu. A importância da nossa roda de samba está em contribuir com a revitalização da cultura que na pedra se fundou e que ficou adormecida por descaso político por mais de sessenta anos. Trazer à tona o clima produzido pelos estivadores e pelo povo que habitava os zungús (moradia coletiva de escravos, fugidos ou alforriados), fazendo samba no prato e na palma da mão. Ou seja, o evento de segunda-feira não tem a pretensão de achar que é inventora de nada. O que fazemos, por gratidão histórica, é dar continuidade aos laços ancestrais que nos une e amálgama em notas musicais, explica Pimentel.
            Em uma mesa montada ao pé da pedra, os músicos tocam instrumentos tradicionais e cantam sem microfones, a fim de valorizar o canto do público presente, que é sempre bem eclético e democrático. Segundo Walmir Pimentel, atualmente, os moradores do local dividem a maior parte da frequência com os turistas, que agora são atraídos pelo projeto Porto Maravilha.
            - O projeto superlotou os eventos semanais, colocando a roda de samba no roteiro oficial da região. A prefeitura nos fornece a autorização documental para funcionarmos. A relação é quase nula. A segurança é feita em consonância entre ambulantes. Talvez, salvo engano, seja uma relação pautada pela conveniência momentânea do boom espacial da Gamboa - comenta o organizador do evento.
            Número de banheiros é apontado como insuficiente
             As rodas de samba na Pedra do Sal movimentam as noites cariocas todas as semanas, mas parece que a infraestrutura do lugar tem deixado a desejar. A Prefeitura do Rio de Janeiro instalou apenas três banheiros químicos no lugar. O cheiro de urina começa a aparecer já no início do evento e fica até o dia seguinte, o que assusta quem visita um dos mais belos e tradicionais cenários do Rio Antigo, tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural em 1984.
            O problema com o pouco número de banheiros químicos é o principal alvo de reclamações entre as mulheres que vão ao evento. A assistente financeira, de 32 anos, Carolina Marins é frequentadora há um ano da Pedra do Sal. Apesar de gostar muito do evento, reclama da falta de infraestrutura.
            - Eu venho porque adoro samba e gosto do aspecto cultural e histórico do lugar, principalmente pelas construções mais antigas mantidas, mas acho que o acesso aos banheiros ainda pode ser melhorado, porque é muito ruim mesmo, disse.
            O organizador das rodas de samba das segundas-feiras Walmir Pimentel conta que a instalação dos banheiros químicos foi a única mudança quanto à infraestrutura da Pedra do Sal realizada pelo governo do Rio de Janeiro.
            - A prefeitura dotou o evento com banheiros químicos. Entretanto, não foi pelo evento e seus motes, mas claramente pelo apelo "gringolesco". E só! As lixeiras, os refletores, a lona são alguns frutos de nossa luta e do apoio de nosso público plural - explica.